2020-01-14

Pancadaria no final de um show na praia, 80% da população
metropolitana sem água potável, dezenas de mortos inocentes por mês (não
raramente por incompetência policial), vias importantes interditadas há mais de
meio ano (Niemeyer, Vista Chinesa, Paineiras), incapacidade de pagar salários
na prefeitura, uma cidade que para com qualquer chuva…

A lista poderia continuar até cansar qualquer leitor. Por
outro lado, há menos de duas semanas tivemos a comemoração do ano novo com
números recordes em Copacabana, realizamos Rock In Rio de dois em dois anos,
tivemos Olimpíadas e Copa. Como que é possível que a cidade seja capaz de
organizar uma festa para mais de 2 milhões, mas um show com 300 mil no mesmo
local provoque um caos absoluto?

A resposta a meu ver é que além de uma organização melhor o
Rio de Janeiro conta com uma tremenda de uma sorte.  Sim, sorte. Porque olhando para a capacidade
dos nossos gestores públicos é difícil acreditar que seja por pura competência
que os eventos que não acabam em caos absoluto transcorram sem mortos e
feridos.

O exemplo do caos em Copacabana no Domingo passado mostra
bem que há uma tremenda deficiência em aplicar conhecimento e aprendizado em
novas situações. A comemoração de ano novo segue uma certa “receita de bolo”
aprimorada há décadas, e a organização da mesma não difere muito ano a ano.
Repete-se aquilo que deu certo e foi aprimorado ao longo do tempo. E no mesmo
local, apenas duas semanas depois não se consegue organizar um show na praia
que tem menos pessoas, mas com uma concentração similar no local específico.
Não há um planejamento e comunicação de escoamento, estratégias de dispersão,
coordenação com ambulantes, comerciantes, meios de transporte.

Transporte chama especial atenção pelo erro primário. Em
eventos de grande concentração de pessoas é comum que o principal meio de
transporte seja colocado a uma certa distância da massa de pessoas que precisa
ser escoada. Essa distância, geralmente percorrida a pé faz com que haja uma
natural dispersão do público para não sobrecarregar o modal de transporte.
Pegue-se o exemplo do parque Olímpico/Rock in Rio, onde é necessário percorrer
quase 1 quilometro para chegar a entrada do evento. A estação e BRT que fica
logo em frente ao evento é DESATIVADA durante o evento para permitir essa
dispersão do público sem sobrecarregar o modal de transporte.

No caso do Show de Domingo, com mais de 300 mil espectadores
a estação de metrô Cardeal Arcoverde ficava a apenas 500 metros do palco. Ou
seja, o caminho natural para boa parte do público é de entrar para dentro do
bairro, todos de uma vez, em massa e ao mesmo tempo por uma ou duas ruas
estreitas. E ao contrário da comemoração do ano novo o evento acaba
abruptamente. Temos experiências e informação suficiente para saber que a
dispersão deveria ser melhor gerenciada. Por exemplo, fechando a estação
Cardeal Arcoverde para embarques, direcionando o fluxo de pessoas
principalmente pela praia até a estação Siqueira Campos. Por exemplo, com dois
pequenos “blocos” saindo do palco em direção ao Leme e Ipanema, que durassem
pouco, mas dispersassem a multidão tanto em termos geográficos quanto horário
de saída.

Mas em vez de aplicar conhecimento de eventos passados
seguimos cometendo erros como se o show da Favorita em Copacabana fosse a
primeira vez que a cidade organiza um megaevento.

Outro exemplo. Água.

O problema recente com abastecimento de água na cidade não é
o primeiro nem será o último. E apesar das vozes apontando a recente
contaminação como justificativa para privatização da Cedae o problema aqui é
outro. A região metropolitana do Rio é altamente dependente de uma única estação
e tratamento de água. Mais de 80% da região metropolitana, mais de 9 milhões de
pessoas, depende desta uma única estação e tratamento de água para o abastecimento
de um serviço que é essencial para indústria, comercio e principalmente a saúde
da população.

Há décadas a cidade vive com a intermitência do
abastecimento quando há algum problema de manutenção emergencial ou preventiva.
Isso evidencia que não há resiliência no sistema, e não há como ter quando
dependemos em tamanha escala de uma única estação de tratamento de água
abastecida por uma única fonte. Apesar do problema atual ser grave, imaginem
vocês caso houvesse uma contaminação química no Rio Piraí ou Paraíba do Sul,
que abastecem a estação, de forma a impossibilitar qualquer tipo de captação
por dias ou semanas? Dada a importância extrema que tem o serviço de abastecimento
de água para toda a sociedade, será que não deveríamos buscar uma
diversificação na fonte de abastecimento da mesma?

Em vez de aprender com décadas de problemas tratamos essa
crise da água como apenas mais uma. Corremos atrás de água mineral por umas
semanas e depois voltamos ao jogo da roleta russa até a próxima crise hídrica
que remete ao mesmo problema.

E o mesmo padrão se repete em tantas diversas áreas.
Continuamos a contar com a sorte em vez de aplicar o conhecimento adquirido das
experiências do passado. Seja com grandes eventos, abastecimento de água,
habitação, manutenção, segurança, etc.

O Rio de Janeiro não afunda no Caos por sorte.

Show more