Como tantas coisas no Rio de Janeiro descobrimos “subitamente”
que temos um problema de abastecimento de água e agora vamos correr atrás de uma
solução emergencial para resolver a questão. A solução apresentada pelo governo
estadual é fazer a transposição do esgoto que é despejado na lagoa de captação
da estação de tratamento. Trataremos o sintoma superficial de um problema sério
que é a falta de saneamento. O Problema, este persiste.
Vejam bem: TRANSPOSIÇÃO. As aguas completamente poluídas dos
rios Queimados, Poços, Ipiranga e Cabuçu seriam represadas e desviadas de um
ponto anterior ao local de captação de água da Estação Guandu e despejadas para
dentro do mesmo Guandu uma centena de metros adiante. O custo para essa
brincadeira é de ao menos 100 milhões de reais.
A “solução” resolve momentaneamente a questão do
abastecimento de água à estação Guandu, mas não ataca o real problema, a falta
de saneamento básico. A falta de coleta e tratamento de esgoto doméstico e
industrial. Enquanto a ETA Guandu irá conseguir coletar uma água um pouco mais
limpa por alguns anos (até que Seropédica, Japeri, Paracambi lancem quantidade
suficiente de esgoto no próprio Guandu para que o problema volte a aparecer),
não resolve o problema de saúde das pessoas que não tem o seu esgoto coletado e
tratado em Queimados e Nova Iguaçu. Não resolve o problema do esgoto todo que
corre sem tratamento algum para a Baia de Sepetiba.
O argumento do Governo do Estado é que não há dinheiro
suficiente para as obras de saneamento que seriam necessárias para que a água
destes rios deixe de ser literalmente um valão de esgoto a céu aberto. Segundo
matéria do O Globo só para resolver os problemas mais críticos de Queimados e
Nova Iguaçu seriam necessários investimentos de 1,4 bilhões de reais em obras
que até o ano de 2042. Meros 22 anos. O espantoso é que 1,4 bilhões em 22 anos
significa um gasto médio anual de 63 milhões de reais; 0,08% do orçamento de
2019, para colocar em perspectiva.
O que quer dizer que se o estado tivesse investido 0,1% do
seu orçamento ao longo das últimas duas décadas em obras de saneamento que prevenissem
a chegada de esgoto à principal estação de tratamento de água do estado, não estaríamos
bebendo esgoto hoje. ZERO VIRGULA UM PORCENTO. Não somente isso, milhares de
pessoas teriam saneamento básico, o que significa condições de vida melhores, menos
problemas de saúde. E, de quebra, nossos Rio, Baias e Praias estariam mais
limpas. Tudo isso significa melhores condições de vida, de saúde, e por consequência
melhora sócio econômica. Significa melhorias ambientais e potencialmente
melhorias em setores que dependem disso como pesca e turismo.
Mas, como tantas outras coisas no Brasil e especialmente no
Rio de Janeiro nosso gestores estão mais preocupados em grandes obras que
possam ser estampadas em capas de jornais durante sua inauguração (e sempre
dentro do período do seu próprio governo) do que em investimentos consistentes
e regulares que resolvam passo a passo a raiz dos problemas que enfrentamos na
ponta.
Investiremos agora 100 milhões em uma solução paliativa que
resolve apenas o problema de captação de água da ETA Guandu, sem trazer nenhum
dos outros benefícios que seriam alcançados ao se resolver a causa raiz do
problema. Tratamos o sintoma aparente, mas a doença continua.
Em paralelo a isso corre o assunto da privatização da CEDAE. O BNDES está há 1 ano fazendo a modelagem econômica financeira (que nunca ninguém viu), e certamente a atual crise de abastecimento será explorada como argumento para a privatização. Não sou fundamentalmente contra nem a favor. Mas é preciso que um assunto de tamanha importância seja amplamente debatido com a população. Nada indica que isso será o caso. Ademais, há vastos exemplos de concessões brasileiras que acabam em uma escalda galopante de preços aos consumidores pela má formulação dos contratos. E há também experiências internacionais fracassadas (assim como bem-sucedidas) na privatização do fornecimento de agua. Por isso, nessa questão, acho que o debate tem que ser muito aprofundado.