Ninguém gosta de pagar pedágios, isso é mais que evidente. Mas o que vimos nesta semana sendo feito pelo nosso prefeito está muito longe do que é esperado de um prefeito. Ainda mais do prefeito da segunda maior cidade do país. Crivella não promoveu “apenas” uma ação truculenta e populista para jogar o tema pra galera e tentar recuperar algum apelo popular às vésperas de uma nova eleição. Os efeitos desse tipo de ação vão muito além do pedagio de uma via expressa da cidade. As ações de Crivella podem colocar em risco investimentos futuros na cidade.
O problema não é privatizar serviços públicos. O problema que existe é a forma com que essas concessões são realizadas. Especificamente a forma com que a empresa que irá administrar o serviço é remunerada e por quanto tempo o contrato é valido. Tivemos aqui mesmo no Rio de Janeiro um exemplo recente que mostra de forma clara o problema. A ponte Rio-Niterói. A sua primeira concessão ocorreu no ano de 1995 e se encerrou em 2015 (20 anos). Houve portanto uma nova licitação em que o preço mínimo ofertado foi de 3,70, 36% abaixo do preço vigente naquele momento, de 5,20. Isso quer dizer que o mercado via um sobrepreço de 1,50 reais na tarifa da ponte. Ora, como pode?
A explicação está nos contratos de concessão e na forma de remuneração das concessionárias. Em praticamente todos os casos no Brasil o operador é remunerado pela tarifa que pode cobrar do usuário, além de explorar serviços acessórios como aluguéis de espaços comerciais e para propaganda. Isso a o primeiro problema de incentivo. Pense por exemplo no metrô. Qual o incentivo que a empresa tem de colocar um trem extra para circular? Irá aumentar os seus gastos com pessoal, manutenção, energia, etc. Mas o valor que a empresa coleta de passagens provavelmente continuará o mesmo. Ou seja, há de fato um incentivo a prestar serviço da forma que reduz o custo para a própria empresa em vez de aumentar a qualidade ao usuário.
Há um segundo problema nas concessões. Geralmente as tarifas são indexadas a um ou mais índices de inflação que na maioria das vezes não reflete a inflação de custos que a empresa tem na manutenção e exploração do bem que foi concedido. No caso das rodovias vemos a correção pelo IPCA, por exemplo. Enquanto isso os custos da empresa em evoluir de maneira mais lenta. A diferença entre a inflação da tarifa é a inflação dos custos de operação acaba contribuindo para altas margens das empresas que exploram estes ativos. Mecanismos de reequilíbrio do contrato acabam sendo complicados e sujeitos a argumentações judiciais que se estendem por anos e não são efetivos por não serem claros e aplicáveis sem interpretações distintas.
Como resolvemos esses problemas? Certamente não com uma retroescavadeira e ações completamente ilegais como está fazendo o Prefeito Crivella. Pelo contrário, as ações do prefeito são prejudiciais ao Rio de Janeiro, pois criam um cenário de insegurança que tem o potencial de afastar futuros investidores privados, seja em qual setor for. Vai além, o motorista que hoje está batendo palmas para o prefeito maluco pode vir a ter que pagar através dos seus impostos uma provável multa e indenização caso a empresa processe o Município (o que é muito provável). Além de ter que conviver com uma Linha Amarela tão esburacada quanto o resto das vias das quais Crivella não cuidou até hoje.
No curto prazo as opções são limitadas e amarradas pelos contratos em vigor. Novamente, mesmo com o mais recente movimento de tentar tomar o controle da Lina Amarela por lei municipal há um risco enorme de que o município seja condenado futuramente a indenizar a LAMSA. Os vereadores que aprovarem uma lei tomando controle da linha amarela estarão assinando embaixo das táticas truculentas e absolutistas do Bispo Prefeito.
Mais importante que tentar revisar os contratos atuais é garantir que novos contratos não sigam os mesmos erros do passado. Uma concessionária de rodovia, de ônibus, de metrô ou de qualquer outro serviço público concedido a iniciativa privada não precisa necessariamente ser remunerado pela tarifa que o usuário final paga. No caso de concessões de ativos que já estão de pé e não necessitam de grandes investimentos pôde-se também reduzir o prazo da concessão. Em vez de 20 anos porque não 5, garantindo que haja mais oportunidades para que outras empresas assumam o serviço, e compitam por preços menores?
Para dar um exemplo concreto: Metrô de Copenhagen, na Dinamarca. O sistema teve sua construção bancada pelo poder público que passou a operação do mesmo para um operador privado. Ou seja, muito similar ao nosso metrô. Só que lá o operador NÃO fica com o dinheiro das passagens. Em vez disso o poder público firmou um contrato em que o operador privado é pago uma taxa fixa mensal. Digamos como exemplo fictício: 100 milhões mês. Esse valor mensal pode ter aumentos e penalidades mês a mês de acordo com a performance do operador. Algumas das variáveis que são medidas naquele caso são: pontualidade, regularidade, falhas, satisfação do cliente. Caso operador vá muito bem ele pode até ganhar mais do que o valor base acordado, 110 minem vez de 110 por exemplo. Por outro lado se ele não operar o sistema com qualidade ele é penalizado e pode receber 90 em vez do valor base de 100. Dessa maneira cria-se os incentivos para que o operador trabalhe em direção a qualidade do serviço que é esperada em vez de apenas buscar aumentar o número de passageiros e diminuir o número de trens em circulação.
Há uma critica totalmente legítima aos valores que são cobrados pelo uso das rodovias (ou outos serviços) que tem sua operação concedida à empresas privadas. Mas a maneira como está questão está sendo tratada tem um potencial enorme de prejudicar a cidade é a sociedade mais do que vai ajudar. No curto prazo pode até se ter um alívio financeiro para a população que usa a via diariamente. Mas os impactos de médio e longo prazo gerados por uma intervenção deste tipo certamente serão muito mais prejudiciais à cidade do que o benefício de curto prazo que será gerado. Futuros investidores certamente pensarão duas vezes antes de colocar dinheiro em uma cidade onde um prefeito resolve destruir negócios sem nenhum embasamento legal. Sem falar na falta de capacidade da Prefeitura de manter as vias da cidade em estado mínimo de conservação. Mais que isso, ninguém está se preocupando em resolver o problema sistêmico de contratos de concessão mal escritos e que não tem os incentivos corretos para gerar o maior benefício para a sociedade em geral.
Enquanto continuarmos a bater palmas para maluco vamos colher os resultados da mediocridade nos anos seguintes.