2013-11-29

A questão da imigração ilegal no Reino Unido - Guildford, United Kingdom

Guildford, United Kingdom

Hoje eu vou tocar num assunto delicado e polêmico: a situação dos imigrantes ilegais no Reino Unido. Pouca gente sabe, mas eu já fui uma imigrante ilegal. E hoje, vou compartilhar minha história com vocês.

Quando eu tinha 20 anos, morava na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, e fazia faculdade de História na Universidade Veiga de Almeida. Meu pai tinha falecido 5 anos antes e eu morava com a minha mãe num apartamento espaçoso. Porém, era eu que arcava com todas as despesas da casa e me sentia muito oprimida com a situação. Eu pagava a faculdade, o aluguel, todas as despesas do apartamento e da minha mãe e ainda, as minhas despesas pessoais. Minha mãe sempre foi dona-de-casa e dependia do meu pai pra tudo, não conseguiu se tornar a chefe da família quando ele morreu. Fui eu que assumi a casa e comecei a trabalhar fora aos 15 anos. Era uma responsabilidade muito grande para uma pessoa tão jovem. Desde então, já trabalhei como explicadora, atendentende de padaria, auxiliar de escritório, garçonete, babá, faxineira, recepcionista, professora de inglês, pesquisadora e atualmente trabalho como professora de português para estrangeiros na Inglaterra.

Um dia, peguei o metrô na estação Afonso Pena pra ir assistir o filme Luthero na casa de cultura Laura Alvim, em Ipanema. No mesmo metrô, estava uma pessoa que iria ter uma grande influência na minha vida. Um senhor desceu na mesma estação que eu, a Siqueira Campos, e eu perguntei a ele como fazia para ir a Ipanema. Na época, aquela era a última estação do metrô. Ele me indicou o ônibus, mas perguntou se poderia tirar uma foto da tatuagem dos Beatles que eu tinha nas costas, pois achou muito curioso uma garota tão jovem e fã dos Beatles. Deixei e informei meu email para que ele me enviasse uma cópia da foto. Ele mandou, trocamos emails, depois telefonemas, e ficamos amigos. Um dia fui visitá-lo e perguntei se ele poderia guardar meus móveis em sua garagem, pois eu estava pensando em me mudar para um apartamento menor para reduzir as despesas e não teria lugar para todos os móveis do meu apartamento grande. Ele me convidou pra morar na casa dele. Marino morava sozinho numa casa enorme de dois andares. Era divorciado, seu filho morava nos Estados Unidos e sua filha já morava sozinha há muito tempo. Se sentia solitário e queria companhia. Eu queria um lugar mais barato pra morar e a casa dele também era na Tijuca, perto da faculdade. Além disso, a companhia dele era muito agradável. Não tinha porquê não topar.

Marino fez uma reforma no primeiro andar da casa e transformou aquilo num apartamento pra mim. Construiu até uma cozinha em estilo colonial e o apartamento ficou bem charmoso. Eu tinha uma sala, um quarto, uma cozinha e um banheiro. Ele morava no segundo andar, mas eu vivia lá em cima. Marino tinha três cachorros, três gatos, um coelho e um viveiro de pássaros. Eu sou amante dos animais desde que me entendo por gente. Nós também plantamos árvores e flores juntos nas calçadas do bairro pra embelezar a Tijuca. Íamos passear no Jardim Botânico e no Parque do Flamengo. Ele era um ótimo cozinheiro e uma pessoa muito culta. Me ensinou a falar inglês, e eu mal podia imaginar o quanto isso seria importante na minha vida depois, fundamental para a minha sobrevivência na Inglaterra. Na verdade, se não fosse isso, eu nem poderia morar na Inglaterra, pois uma das exigências para o visto de residência é saber falar inglês.

Enfrentei preconceito na época porque meus amigos achavam que eu tinha um caso com o Marino. Ninguém acreditava que uma garota de 20 anos poderia ter um melhor amigo 40 anos mais velho. Muito provavelmente, quem ler esse texto vai achar o mesmo. O mundo anda tão individualista, corrupto e hipócrita que ninguém mais acredita numa amizade sincera e desinteressada. Mas eu nunca me importei com a opinião alheia.

Agora, o que essa história tem a ver com a imigração ilegal? Marino já tinha vivido ilegalmente nos Estados Unidos, muito anos antes, em Nova York e São Francisco. E falava maravilhas dos EUA e da vida que levou lá. Ele não tinha esperanças no Brasil e eu me senti influenciada pela idéia de viver no exterior. Só que eu era jovem, imatura e fui sem planejamento. Já tinha me formado e, por ser historiadora, achei que a Europa tinha mais a ver comigo. Comprei uma passagem e me mandei pra Bélgica com mil euros no bolso. Todos me chamaram de louca, mas eu precisava de uma aventura. Eu tinha sido muito certinha a vida inteira. Fui superprotegida pelos meus pais e brinquei de boneca até os 14 anos. Comecei a trabalhar fora imediatamente depois da morte do meu pai. Não tive adolescência, não namorei, nunca fui pro bar tomar uma cerveja depois da faculdade. Aliás, até hoje eu não bebo. Eu só trabalhava e estudava e achava que a minha vida não fazia sentido. Eu queria me aventurar, pôr uma mochila nas costas, botar o pé na estrada e sair mundo afora, eu queria ser irresponsável uma vez na vida. E fui.

Minha idéia era trabalhar um pouco em cada país europeu, juntar dinheiro e ir para o próximo. Queria passar um ano fora e conhecer a Europa inteira neste período. Eu nem sabia que turista não podia trabalhar. Na minha cabeça, o direito ao trabalho deveria ser um direito nato de qualquer ser humano, em qualquer lugar do mundo, e ninguém poderia ser proibido de exercer uma atividade produtiva. Eu era inocente.

Cheguei na Bélgica no meio do inverno. Como não tinha dinheiro, me hospedei num hotel paupérrimo no centro da cidade de Antuérpia. Meu quarto tinha um estado lastimável e o banheiro era coletivo. Logo vi que não seria fácil arrumar um emprego. Só consegui trabalho como garçonete num bar bem pé sujo e trabalhava turnos de 12 horas por dia. Meu sonho de conhecer a Europa já tinha ido pro buraco.

Um português frequentador do bar me convidou pra dividir apartamento com ele. Aceitei porque qualquer lugar seria melhor do que o hotel onde eu estava. O português se tornou meu amigo. Um dia, me pediu em casamento. Disse que só queria me ajudar e propôs um casamento de fachada pra regularizar minha situação na Europa. Eu não aceitei. Só haveria de me casar por amor.

Pouco tempo depois, consegui emprego como housekeeper na casa de uma família judia rica. A casa era enorme. Tinha três quartos, duas salas imensas, uma cozinha, quatro banheiros, duas garagens, área de serviço e um jardim de vários acres, a perder de vista. A minha casa ficava no jardim. Gostava porque tinha mais privacidade. Mas eu nem sabia que diabos fazia uma housekeeper quando aceitei o trabalho. Bem, eu era empregada doméstica, e além de cuidar dessa casa imensa sozinha, ainda tinha que lavar os cinco carros da família, cuidar do filho caçula deles e dos dois cachorros. Trabalhava 10 horas por dia, de segunda a sábado, com direito a 15 minutos de repouso pro almoço e 15 minutos pra janta. Fui explorada porque era ilegal. Eu não tinha direitos trabalhistas e não poderia processá-los por terem me explorado.

Não bastando isso, o português com quem tinha dividido apartamento por um mês passou a me ameaçar, porque eu não aceitei me casar com ele. No começo, ele fingiu ser meu amigo pra ganhar a minha confiança, talvez tenha se apaixonado por mim, mas quando percebeu que não seria correspondido, começou a ameaçar me denunciar pra polícia porque eu era ilegal. Na verdade, eu nem estava em situação ilegal, eu ainda tinha um visto de turista válido por três meses, mas não tinha o direito de trabalhar no país. Ele sabia onde eu estava trabalhando. A sensação de ser chantageada é indescritível, só quem já passou por isso sabe como é. Fiquei com medo e pedi demissão. Fui me hospedar no apartamento de outro amigo no centro de Antuérpia. Resolvi usar o dinheiro que tinha ganho pra viajar um pouco pela Europa e voltar pro Brasil. Viajei pela Bélgica, pela Holanda e por algumas cidades da França, sempre fazendo muita economia porque o dinheiro era pouco e a minha viagem terminaria quando o dinheiro acabasse.

Eu tinha um amigo que trabalhava numa empresa de construção naval. Ele era sócio na empresa e tinha soldadores na Bélgica, na Holanda e na Inglaterra. Um dia ele estava indo de carro pra Inglaterra resolver uns problemas da empresa e perguntou se eu queria ir junto. Eu aceitei, pois era uma oportunidade de viajar de graça e conhecer mais um país antes de voltar pro Brasil. Foi um trajeto de várias horas de carro. Fomos até Calais para passar pelo eurotúnel e chegar na Inglaterra, mas fomos parados no posto de imigração. Meu amigo apresentou o passaporte europeu dele e eu apresentei o meu brasileiro. Eu não tinha muito dinheiro comigo e nem reserva em hotel. Foi uma viagem de última hora e todas as minhas coisas estavam na Bélgica. Também não tinha seguro-saúde e tinha deixado minha passagem de volta para o Brasil no apartamento onde eu estava hospedada em Antuérpia. Como eu já tinha viajado sem problemas pra outros países europeus, nem passou pela minha cabeça que pudesse me acontecer alguma coisa na Inglaterra.

Me mandaram esperar no carro. Depois de meia hora de espera, resolvi sair. Imediatamente gritaram comigo e me mandaram voltar. Fiquei com muito medo. Depois fui retirada do carro por policiais britânicos e me informaram que eu estava detida para averiguação. Me revistaram, revistaram o carro e a minha mochila. Esperei oito horas numa cela com outros presos estrangeiros, homens, com câmeras de segurança e dois policiais à paisana. Só recebi comida seis horas depois: um sanduíche de pepino. Claro que eu não tinha estômago pra comer. Fui levada pra outra sala e interrogada por dois detetives. O interrogatório foi gravado sem a minha autorização. Não tive direito a telefonema, nem a advogado. Não me agrediram fisicamente, mas gritaram muito comigo. Achavam que eu estava tentando entrar na Inglaterra para trabalhar ilegalmente. Não era verdade, mas ainda que fosse, não havia justificativa para receber esse tratamento. Eu estava na fronteira, não tinha cometido nenhum crime nem estava tentando entrar escondida. Paguei 150 euros para atravessar o eurotúnel e apresentei meu passaporte no posto de imigração. Se não queriam permitir minha entrada, poderiam simplesmente ter negado o visto, me mandado dar meia volta e ir embora. Eu ainda estava em território francês. Não havia nenhuma necessidade de me humilhar ou de me prender, como se eu fosse uma criminosa, numa cela com outros homens. Não consigo encontrar outra explicação para o que aconteceu comigo do que puro sadismo e vontade de subjulgar uma pessoa em situação indefesa.

Pensei que seria deportada para o Brasil só com a roupa do corpo, mas em vez disso, tiraram as minhas impressões digitais e chamaram a polícia francesa para me resgatar. Antes disso, foram até o carro, onde meu amigo já estava me esperando por mais de oito horas, e tentaram convencê-lo a entrar na Inglaterra sem mim. Queriam que ele me abandonasse. Meu amigo se recusou e foi me buscar no posto de imigração francês para me levar de volta à Bélgica.

Quando o policial francês chegou, já estava tão traumatizada que pensei que seria tratada da mesma forma que os ingleses me trataram, e que seria deportada, mas isso não aconteceu. Ele foi muito educado, devolveu meus pertences e o dinheiro que eu havia pago para atravessar o eurotúnel, e até pediu desculpas pela forma como eu havia sido tratada pela imigração inglesa. Disse que eu era bem-vinda na França. Porém, o trauma foi tão grande que eu não tinha mais vontade nenhuma de continuar na Europa. Fiquei trancada no meu apartamento na Bélgica até o dia da viagem e voltei para o Brasil. Jurei que nunca mais na minha vida colocaria os pés na Inglaterra.

Só que a vida adora pregar peças na gente. Eu acabei me casando com um inglês. Como isso aconteceu? Bom, eu voltei pro Rio, pra casa do Marino, e já saí pra procurar emprego no dia seguinte. Distribuí curriculuns em todos os hotéis de Copacana e Ipanema, pois queria aproveitar minha fluência no inglês pra conseguir emprego como recepcionista de hotel. O dono de um hotel estava na recepção quando eu passei pra deixar meu curriculum, gostou de mim, me chamou pra uma entrevista na mesma hora e me contratou. Já voltei pra casa empregada. Um mês depois, consegui emprego em outro hotel maior, na Avenida Vieira Souto, e trabalhei lá por 7 meses. Saí porque não nasci pra criar raízes em nenhum lugar e resolvi morar em Florianópolis. Fiz muitos amigos em Floripa e tive uma vida feliz lá por quatro anos. Morava na Lagoa da Conceição. Conheci meu marido através do couchsurfing, um site para viajantes. Ele fazia intercâmbio em Floripa. Logo de cara, falei que não ia voltar pra Inglaterra nem arrastada e que o namoro só ia dar certo se ele ficasse no Brasil. Ele terminou a faculdade na Inglaterra, voltou para o Brasil logo depois e morou comigo na Lagoa por um ano e meio, mas não se adaptou bem ao Brasil. Ele achava que teria mais oportunidades de crescer profissionalmente na Inglaterra, pois ele era economista e Floripa, apesar de ser uma capital, não oferece muitas oportunidades. A economia da cidade se baseia no turismo e no serviço público. Resolvi dar mais uma chance à Inglaterra.

A coisa foi complicada desde o início. Meu primeiro visto custou mais de 5 mil reais. O carimbo no passaporte custou 700 libras, mas fora isso eu paguei a tradução juramentada de vários documentos (R$100,00 por página), a prova de inglês que é obrigatória (R$500,00), viagem pra São Paulo pra fazer a prova de inglês, que não tinha em Floripa, e viagem pro Rio pra dar entrada no visto. Pra solicitar o visto, você precisa já ter um vôo reservado pra Inglaterra. Solicitei com um mês e meio de antecedência. O governo inglês me concedeu o visto um dia depois que nós perdemos o nosso vôo. Não fomos porque o visto não tinha chegado, aí o visto chegou e o avião já tinha partido sem a gente. Tivemos que ficar mais seis meses em Floripa juntando dinheiro pra tentar ir de novo. Agora já estou no meu segundo visto, que deu tanto trabalho quanto o primeiro. Juntei mais de mil páginas de documentos para cumprir todas as exigências. Um dia antes da entrega, meu marido e eu levamos nove horas apenas para checar todos os documentos e verificar se não estava faltando nenhum. Ainda não tenho a cidadania britânica. Isso significa que eu pago muitos impostos e não tenho direito a nenhum benefício, nem os básicos, como seguro desemprego. Meu marido é cidadão inglês e também não tem direito aos benefícios, pois se ele fizer uso, eu perco o direito de ficar no país. Também perco esse direito se o meu marido ficar desempregado. Eu sou independente, meu marido não me banca, mas pra eu ter o direito de morar aqui, ele precisa provar que pode me sustentar, mesmo que eu não precise. Se, porventura, ele ficar desempregado, eu não tenho mais direito a pedir o visto de permanência, pois não estaremos cumprindo um requisito básico para o pedido, que é a comprovação de renda. Ou seja, é uma vida com muitas restrições e inseguranças. Não é confortável viver num país onde eu tenho a sensação de que posso ser mandada embora a qualquer momento. Vou de férias para o Brasil em fevereiro e já sinto calafrios só de pensar que vou ter que passar pelo serviço de imigração na volta. Nunca vou esquecer o que fizeram comigo e, talvez por isso, nunca tenha conseguido gostar de verdade da Inglaterra, apesar de ter vivido muitas coisas boas aqui também.

Faço parte de um grupo no Facebook chamado Brasileiros na Inglaterra. Um dia uma pessoa publicou um post com uma reportagem que dizia que a lei de imigração no Reino Unido está ficando ainda mais rigorosa, para coibir a imigração ilegal. Pipocaram alguns comentários de apoio. Cinco pessoas curtiram a publicação, uma afirmou que na Alemanha as coisas eram mais burocráticas e no Reino Unido era tudo escancarado (como se a vida dos ilegais fosse fácil antes dessa lei), outro disse que quem trabalha acaba pagando bolsa-esmola pra quem não trabalha (como se o ilegal não trabalhasse e não pagasse imposto), e por aí vai. Os comentários, em geral, diziam que quem está na Inglaterra legalmente paga imposto e sustenta uma cambada de ilegais através dos serviços públicos, que são gratuitos. Isso não é verdade.

Esclarecendo a questão: pra começar, ilegal paga imposto, sim senhor. Eles só não pagam imposto de renda. Ninguém que receba menos de 9 mil libras anuais é obrigado a pagar imposto de renda. A maioria dos imigrantes ilegais recebe abaixo disso e, ainda que estivessem legalizados, não seriam obrigados por lei a pagar imposto de renda por não atingir a renda mínima exigida para tal. Mas eles pagam imposto em todos os produtos e serviços que consomem. Também não há razão para eles pagarem previdência social, pois não têm direito a benefícios ou aposentadoria. A maior parte dos ilegais não vai a hospitais públicos porque você precisa apresentar seu passaporte para fazer o cadastro e os atendentes sempre verificam o visto. Para não correr o risco de serem pegos, a maioria dos ilegais se trata em hospitais privados e só recorre ao sistema público em último caso. Pra abrir conta em banco, é necessário comprovar renda e residência e os imigrantes ilegais não têm como comprovar nem um nem outro. Pessoas que moram na Inglaterra ilegalmente não são criminosas. São pessoas que vêm pra cá com o sonho de lutar por uma vida melhor e juntar dinheiro pra ajudar a família. Embora a situação no Brasil tenha melhorado nos últimos anos, grande parte da população ainda vive com um salário mínimo ou menos do que isso e as chances de ascensão social são bem pequenas. Se o Brasil fosse tão bacana assim, nós todos estaríamos lá e não aqui. É muito fácil ficar do lado do opressor e dizer para o ilegal: "eu tenho cidadania e você não tem, eu tenho o direito de ficar e você tem o dever de ir embora". Eu não acho que a sorte de adquirir um documento faça uma pessoa melhor do que a outra ou mais merecedora de direitos do que qualquer outra.

Foi isso que eu comentei no grupo e imediatamente recebi uma enxurrada de críticas. Pra começar, todo mundo acha que os ilegais estão ganhando muito dinheiro aqui. Uma garota publicou que os ilegais trabalham em tempo integral e o salário mínimo são 6 libras por hora. Alow, o salário mínimo só é direito de quem trabalha legalmente, quem trabalha ilegalmente muitas vezes é explorado e recebe menos do que isso. A maioria do imigrantes legais muito dificilmente consegue ganhar um salário mínimo na Inglaterra, imagina quem não tem documento.

Também afirmaram que os ilegais burlam a lei, pois dá pra fazer a carteirinha do NHS (sistema de saúde público inglês) e abrir conta em banco com visto de turista. A nova lei vai dificultar isso. A partir do momento que os ilegais estão adquirindo produtos e serviços e pagando, em média, 20% do valor do produto ou serviço em impostos, não vejo razão para eles não terem direito a atendimento médico. O SUS, no Brasil, dá atendimento médico a todo mundo, legal e ilegal. Tudo bem que o serviço não se compara, mas isso não outros 500. E também não vejo razão pra uma pessoa ser proibida de ter conta em banco se ela não vai estar roubando ninguém, vai estar movimentando o próprio dinheiro na conta e ainda dando lucro pro banco inglês. Ok, o objetivo da lei é dificultar a vida do imigrante, mas a situação deles já está tão ruim que realmente não tem como piorar. Quem vive ilegalmente num país vive com medo. Essa pessoa não vai andar livremente nas ruas e não vai fazer uso dos serviços públicos porque vai ter medo de ser pega. Eu tenho vários amigos ilegais na Inglaterra e nenhum deles utiliza os serviços públicos. Todos pagam tudo particular e não têm conta em banco inglês. As pessoas que eu conheço não saem nem do próprio bairro pra não ficar circulando muito por aí e dando na vista, vão de casa pro trabalho e do trabalho pra casa. Eles atravessam a rua se vêem um policial vindo na sua direção e o coração dispara toda vez que a campainha de casa toca, porque pode ser a polícia. A maioria está aqui porque quer juntar dinheiro para ter uma vida melhor no Brasil. Tenho dois amigos que querem abrir o próprio negócio no Brasil, e vieram pra Inglaterra juntar dinheiro pra isso. Tenho outros amigos que tinham direito à cidadania italiana, mas não tinham dinheiro pra pagar por ela, então vieram pra Inglaterra e trabalharam por um ano pra juntar dinheiro, aí foram pra Itália e tiraram a cidadania, e já entraram na Inglaterra novamente como cidadãos europeus.

Muita gente pode ser contra quem está vivendo na Europa de forma irregular e não aprovar essa decisão, mas por que essas pessoas têm que apoiar a repressão aos ilegais? Perguntei isso e recebi outra enxurrada de respostas negativas, do tipo:

“Nós não somos contra os ilegais, só somos a favor do que é dito na notícia”

A notícia anuncia a repressão aos ilegais. Se você é a favor do que é dito na notícia, sinto muito, mas você é, sim, a favor da repressão.

“Todo mundo tem opção. Tem tanta gente que escolhe não roubar, matar, mesmo sendo criado num ambiente assim. Nada justifica fazer a coisa errada”.

Pra começar, o comentário já foi muito infeliz porque compara quem escolhe roubar e quem escolhe matar com quem escolhe tentar a vida em outro país. Quem mata e rouba é criminoso, os indocumentados estão apenas em situação irregular. Não há comparação entre uma coisa e outra.

“UK não pode receber toda essa gente. Tem que deportar e eles fazem com muita humanidade”.

Concordo que o Reino Unido não pode receber todo mundo de braços abertos, mas a minha experiência no posto de imigração de Calais é uma prova de que não há humanidade no tratamento dado aos ilegais. Eu não estava ilegal, tinha visto de turista, estava na França e apenas solicitei a minha entrada no Reino Unido, e fui tratada daquela forma. Imagina quem está realmente ilegal. Não comente sobre o que você não sabe.

“Eu quero e que as leis ficam cada vez mais duras! Conheço e conheci muitos Brasileiros ilegais que não deveriam nem ter passado pela imigração de tão arrogante desafiadores e mesquinhas que são, falam mal dos ingleses não se socializam,alguns estão aqui a mais de 10 anos não falam inglês e dizem que veio para cá ganhar dinheiro e não aprender inglês,conheci uma que critica Londres de todas as forma,ficou no Brasil por mais de um ano com um pedras nos rins chegou aqui novamente através de cambalacho e em menos de 2 meses teve a cirurgia dos rins feita com sucesso, e a mesma reclama que o sistema e péssimo pois teve que ficar fazendo exames e mais exames e só fizeram a cirurgia com quase 2 meses,e o pior e que tive que perde meu dia no hospital com esta pessoa só reclamando de Londres!! Há tem muitos que acham que você não pode os responder que sempre vem a velha desculpa só porque você e legal esta defendendo a Inglaterra.. Santa paciência.”

Respeito a opinião desta pessoa, mas senti muito ódio e ressentimento no comentário dela. Mas vocês devem ter percebido erros de português grotescos neste comentário. Se essa pessoa não domina nem a própria língua, que moral ela tem pra criticar quem não fala inglês fluente? E se ela teve uma experiência ruim com a amiga, ainda assim não deveria generalizar e torcer para que as leis fiquem mais duras para ferrar com a vida de todos os ilegais. Minha opinião sobre essa pessoa é uma só: falta de amor e compaixão pelo próximo.

Meu comentário de repúdio à nova lei recebeu mais curtidas do que a reportagem a favor da lei. Algumas pessoas também me enviaram mensagens privadas me parabenizando pela iniciativa, por eu estar levantando uma bandeira que nem é a minha, já que tenho documentos. Mas o que me entristeceu foi que as pessoas que me parabenizaram, o fizeram de forma privada, não tiveram coragem de ir a público e dar também sua opinião sobre o tema. E o que me entristece ainda mais é perceber, vivendo na Inglaterra, que o preconceito dos brasileiros contra os próprios brasileiros é muito maior do que o preconceito dos ingleses e dos europeus contra nós. Faço parte de vários grupos de brasileiros que vivem no exterior no Facebook e a maioria das pessoas nestes grupos critica muitos os próprios brasileiros. Já ouvi as coisas mais absurdas. Desde preconceito descarado contra brasileiros de determinadas regiões, como os goianos, até preconceito contra mulheres brasileiras. Uma mulher publicou que não tem amigas brasileiras porque elas são todas vagabundas e estão doidas para roubar os maridos gringos das outras. Eu fiquei quieta, aguardando as críticas a esse comentário, mas em vez disso, ele recebeu várias curtidas e mensagens de apoio. Veja bem, brasileiras comentando: “É isso aí, brasileira no exterior é tudo puta mesmo, tem mais é que se afastar dessa gentalha, principalmente as solteiras”. Como se certidão de casamento mudasse a personalidade de alguém.

Eu me decepciono muito com as pessoas, mas ainda tenho fé na humanidade. E hoje deixei meu trabalho de lado e passei três horas escrevendo e revisando este texto, pra abordar um assunto que já está há muito tempo entalado na minha garganta, e na esperança de que o meu texto traga alguma luz para a cabeça destas pessoas e as faça refletir sobre a forma como julgam os outros, sem ter esse direito. E vou terminar o post com esse ditado:

“Se você ficar neutro em uma situação de injustiça, é porque você escolheu o lado do opressor. Pense nisso!” - Desmond Tutu, arcebispo da Igreja Anglicana consagrado com o Prêmio Nobel da Paz.

É isso! Se vocês quiserem que o blog aborde algum assunto em especial, coloca um comment aí embaixo.

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