2012-07-09

Sabe aquele buraco que já fez aniversário na rua de sua casa? Ou a merenda escolar que não chega até a boca das crianças de sua cidade na quantidade que deveria? Saiba que a solução para todos esses problemas está na palma de sua mão. Ou melhor, na ponta de seus dedos. No dia 7 de outubro, acontecerá mais uma eleição municipal. É nesse momento que o eleitor teclará na urna eletrônica os números dos candidatos a prefeito e vereador que conduzirão os rumos do município pelos próximos quatro anos. Mas o desempenho desses representantes costuma ter consequências que duram bem mais do que isso. As eleições municipais têm a característica de trazerem os temas para mais perto do dia a dia da população. Exatamente por isso é tão importante saber usar bem o voto.
Vale a pena ficar ligado na propaganda eleitoral, que está liberada desde o último dia 6, e também consultar subsídios, como o que uma série de entidades vinculadas à CNBB organizou: a cartilha Eleições municipais 2012: cidadania para a democracia. “O município é onde a gente mora, trabalha, estuda, educa os filhos, diverte-se, busca atendimento de saúde e outros serviços necessários à vida cotidiana. É na política municipal que começa a participação cidadã: a escolha de quem vai aplicar as políticas públicas”, esclarece o doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica, e professor do mestrado em Ciências da Religião da PUC-Minas Pedro Ribeiro de Oliveira. Já não é novidade que a atual estrutura do Estado e da própria democracia encontra-se em crise, ou seja, já não consegue responder aos questionamentos, demandas e ânsias da população. É aí que a Doutrina Social da Igreja pode iluminar o agir cristão para que aconteça um reencantamento com a política. “Há algo que distingue o cristão: a esperança. É compreensível que o círculo vicioso de corrupção e desmando no trato com a coisa pública gere desencanto, desalento nas pessoas, especialmente nos jovens, em relação à política. Como vencer isso? Renovando estruturas e pessoas. De que forma? Participando e militando politicamente. O ensino social da Igreja é para nós, cristãos, iluminador, porque nos permite enxergar o agir de Cristo como uma condenação às estruturas de morte e indicação de caminhos de vida”, afirma o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, dom Guilherme Werlang. Já o presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), Laudelino Augusto dos Santos Azevedo, admite que, “neste campo, é preciso reconhecer que os cristãos estão devendo e muito à nação brasileira. O campo político está apodrecido devido à ausência do ‘sal, luz e fermento’ que nós cristãos deveríamos ser. A Doutrina Social da Igreja nos ensina, prepara e incentiva para, em comunidade, atuarmos concretamente”. A participação política acontece desde os círculos de conversas com os amigos sobre temas diversos até atividades mais engajadas, como associar-se em grupos e movimentos para reivindicar direitos e demandas populares. “As reuniões das pastorais, das comunidades eclesiais de base, dos movimentos cristãos, também podem ser entendidas como uma forma de participação política, pois são espaços nos quais a fé e a política entrelaçam-se”, explica o coordenador do grupo gestor do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Arquidiocese de Belo Horizonte e da PUC-Minas, Robson Sávio Reis Souza.

CRISTÃOS. Participar do processo político reveste-se de ação missionária para os cristãos. “O Reino de Deus constrói-se também pela mediação política, entendida como a construção do bem comum e a prática da solidariedade e da fraternidade”, acredita dom Werlang. Já o Concílio Vaticano II, no decreto Apostolicam Actuositatem – sobre o apostolado dos leigos –, afirmava que “o cristão na política abre caminho para o Evangelho” (n. 14). “Este é o significado do cristão participar do processo político: abrir caminho para que a Boa-Nova da vida em abundância, a educação, a saúde, a moradia digna, o trabalho e o salário justo, o lazer, a segurança, a cidadania sejam assegurados para todos”, explica Azevedo. O cristianismo não pode ser reduzido a um conjunto de rituais ou de normas éticas que regulam a vida. “Ele é também uma proposta de sociedade conforme o projeto divino, uma sociedade justa e pacífica que Jesus chamou de Reino de Deus. A pessoa que limita sua vida cristã à esfera privada reduz o cristianismo a uma forma de autoajuda, porque descarta sua dimensão profética e transformadora do mundo”, destaca o sociólogo Oliveira.

DEMOCRACIA E REFORMA. O envolvimento consciente no pleito pode auxiliar na construção de uma democracia que não seja apenas representativa, mas também participativa. Nas regras atuais do jogo democrático, as eleições servem para que o cidadão escolha candidatos comprometidos com os interesses públicos para serem seus representantes. Ou seja, os políticos devem exercer o poder em nome do povo – e não como um poder próprio, como o do rei em regimes monárquicos. “Isso é bom quando favorece a escolha de verdadeiros representantes do povo, mas frequentemente erra ao dar o poder a pessoas que enganam o eleitorado com palavras falsas ou compram votos. A educação política deve levar a escolher quem seja realmente representativo da vontade geral”, ensina o sociólogo Oliveira. Já a democracia participativa foi respaldada pela Constituição de 1988, que estabeleceu instrumentos de participação da sociedade nas políticas do governo e sua fiscalização, como os Conselhos de Cidadania, que tratam de diversos assuntos de interesse público. Assim, a sociedade pode fiscalizar e apresentar demandas e diretrizes de ação para o governo. “Na democracia participativa, o exercício do poder político é pautado no debate público entre os cidadãos, com condições iguais de participação. Portanto, a legitimidade das decisões políticas advém de processos de discussão e deliberação direta, sem a mediação de representantes eleitos”, explica o coordenador do Nesp, Robson Souza.

REFORMA. O documento 91 da CNBB – Por uma reforma do Estado com participação democrática – aprofunda o questionamento Estado, para que e para quem, que também oferece a linha-mestra de reflexão da 5ª Semana Social Brasileira, já
em andamento. No
fundo, questiona-se a pesada estrutura que se tornou o Estado brasileiro. Nesse contexto, a reforma política é fundamental, embora isoladamente não possa resolver todos os problemas da nação. Mas já seria um grande passo nesse sentido. “A começar da concepção de ‘poder’, das estruturas tão onerosas e pouco eficientes da ‘máquina’ pública, dos chamados Três Poderes, e da representatividade, incluindo o processo eleitoral”, cita o presidente do CNLB, Laudelino Azevedo. “A reforma política de que o país necessita com urgência não pode se limitar a regras eleitorais, e dentro delas ao funcionamento dos partidos. Ela precisa atingir o âmago da estrutura do poder e a forma de exercê-lo, tendo como critério básico inspirador a participação popular. Trata-se de reaproximar o poder e colocá-lo ao alcance da influência viável e eficaz da cidadania” (Documento 91, n. 101). A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político trabalha cinco eixos que dão a dimensão da reforma política que se deseja: fortalecimento da democracia direta, fortalecimento da democracia participativa/deliberativa, aperfeiçoamento da democracia representativa, democratização da informação e da comunicação, democratização e transparência do Poder Judiciario. O financiamento público de campanha como caminho para a transparência e o estancamento da corrupção é outro ponto importante. Também fala-se na votação em lista preordenada, e não mais num candidato específico. “Isso reforçaria os partidos, uma necessidade em nosso país acostumado às legendas de aluguel”, acredita o bispo Werlang.

IGREJA NO BRASIL. A CNBB escreveu uma mensagem sobre as eleições municipais. O texto foi aprovado durante a 50ª Assembleia Geral da entidade, em abril deste ano,
em Aparecida. Para
os bispos, o voto livre e consciente é “um dos mais expressivos deveres de cidadão”. “Para o cristão, participar do processo político-eleitoral, impulsionado pela fé, é tornar presente a ação do Espírito, que aponta o caminho a partir dos sinais dos tempos e inspira os que se comprometem com a construção da justiça e da paz, continua a nota. O eleitor deve ter presente que o seu voto, embora seja gesto pessoal e intransferível, “tem consequências para a vida do povo e para o futuro do país. As eleições são momento propício para que se invista, coletivamente, na construção da cidadania, solidificando a cultura da participação e os valores que definem o perfil ideal dos candidatos”. A CNBB adverte também que os candidatos devem ter um histórico de coerência de vida e discurso político referendados pela honestidade, competência, transparência e vontade de servir ao bem comum. “O exercício da cidadania, no entanto, não se esgota no voto. A educação para a cidadania é processo permanente”, explicita. Já no dia 22 de junho, a entidade divulgou uma nota sobre a ética pública. A CNBB aponta que os fatos políticos e administrativos que contrariam a ética pública e o bem comum chegam a “colocar em xeque a credibilidade das instituições, que têm o dever constitucional de combater a corrupção e estancar a impunidade, que alimenta tal prática”. Os bispos denunciam que o senso de justiça presente na consciência da nação brasileira “é incompatível com as afrontas ao bem comum que logram escapar às penas previstas, contribuindo para a generalizada sensação de que a justiça não é a mesma para todos. A sociedade brasileira espera e exige a investigação de toda suspeita de corrupção bem como a consequente punição dos culpados e o ressarcimento dos danos”. “O agente político se recorde de que é seu dever ultrapassar as fronteiras político-partidárias, as condicionantes de oposição-situação, para colocar-se a serviço do Estado e da sociedade, sem confundir jamais o público com o privado, o que constituiria grave ofensa à legislação e desrespeito à sociedade”, conclui a nota. (Leonardo Meira – Jornal Santuário)

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