2013-12-18



Lev Manovich, 2013.
Tradução: Cicero Inacio da Silva.

No prelo a ser publicado na revista Aperture #214 (2014).

Neste verão o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) pediu ao grupo de Estudos do Software, um programa que iniciei em 2007, para analisar como a visualização poderia ser usada como uma ferramenta de pesquisa e, talvez, como um meio para mostrar sua coleção de fotografias de maneira inovadora. Tivemos acesso a aproximadamente vinte mil fotografias digitalizadas, que combinamos em uma só imagem de super alta definição usando nosso software. Isso nos permitiu visualizar todas as imagens de uma só vez, rolando das imagens do início da mídia fotográfica até imagens registradas recentemente, abrangendo países, gêneros, técnicas e diversos aspectos da sensibilidade dos fotógrafos. Praticamente cada ícone fotográfico foi incluído - imagens que eu tinha visto repetidamente reproduzidas. Minha habilidade em facilmente poder realizar um zoom em cada imagem e estudar seus detalhes, ou diminuir o zoom para ver a imagem em sua totalidade, foi quase uma experiência religiosa.

Observar vinte mil fotografias simultaneamente pode soar surpreendente, uma vez que até mesmo a maior galeria do museu possui, no máximo, uma centena de obras. E isso que a coleção do MoMA, usando os padrões do século XX, pode ser considerada escassa em comparação com os enormes repositórios de fotografias existentes em sites de compartilhamento de mídia, tais como Instagram, Flickr e 500px. (o Instagram sozinho já contém mais de um bilhão de fotografias, enquanto que os usuários do Facebook sobem mais de dez bilhões de imagens todos os meses). A ascenção da "fotografia social", lançada pelo Flickr em 2005, inaugurou novas possibilidades fascinantes para o campo da pesquisa cultural. A foto-universo criada por centenas de milhares de pessoas pode ser considerada como um mega-documentário, sem roteiro nem diretor, mas a escala desse documentário requer ferramentas computacionais - bases de dados, motores de busca e visualização, para que possamos assistí-lo.

Explorar (minerar) as partes constituintes desse "documentário" pode nos ensinar sobre a fotografia vernacular e hábitos que regem o desenvolvimento da imagem digital. Quando as pessoas se fotografam, será que elas privilegiam estilos de enquadramentos específicos, como os fotógrafos profissionais? Será que os turistas que visitam Nova Iorque fotografam os mesmos objetos; será que suas escolhas são culturalmente determinadas? E quando eles fotografam os mesmos objetos (por exemplo, plantas no High Line Park em Manhattan), eles usam as mesmas técnicas?

Para começar a responder a essas perguntas, podemos usar computadores para analisar os atributos visuais, os conteúdos de milhões de fotos e as descrições que as acompanham, tais como tags, coordenadas geográficas, data e hora dos uploads e, a partir daí, interpretar os resultados. Apesar dessa pesquisa só ter começado há poucos anos, já existe um número significativo de projetos interessantes que apontam para o futuro de uma "sociologia visual computacional" e de um "foto criticismo computacional".

Em 2009 David Crandall e seus colegas do Departamento de Ciência da Computação na Universidade de Cornell publicaram um artigo intitulado "Mapeando as Fotos do Mundo" (Mapping the World’s Photos), com base na análise de cerca de trinta e cinco milhões de fotografias do Flickr. Como parte da pesquisa, eles criaram um mapa constituído por todos os locais onde essas imagens foram tiradas (("world heat map"). As áreas com mais fotos parecem mais brilhantes , enquanto que aquelas com menos fotografias são mais escuras. Não é surpreendente que os Estados Unidos e a Europa Ocidental estão bem iluminados, enquanto que o resto do mundo permanece na escuridão, indicando uma cobertura mais esporádica. Mas o mapa também revela alguns padrões inesperados - as linhas costeiras da maioria dos continentes são muito brilhantes, enquanto os interiores dos continentes, com as notórias exceções ​​dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, permanecem completamente no escuro.

Crandall e sua equipe, usando o conjunto de fotos coletadas, também determinaram os locais mais fotografados em vinte e cinco áreas metropolitanas. Isso os levou a novas descobertas - o quinto local mais fotografado de Nova York foi a loja da Apple no centro; A Tate Modern foi classificada como número dois em Londres.

O projeto de foto-mapeamento Locals and Tourists, criado em 2010 pelo artista de dados e desenvolvedor de software Eric Fisher, focou em uma pergunta, provavelmente motivada por tais informações: quantas dessas imagens foram capturadas por turistas ou moradores locais, e como que essa diferenciação pode revelar diferentes padrões? O projeto "Moradores e Turistas" de Fisher apontou os locais com um grande número de fotografias no Flickr e usou cores para indicar quem as tirou: as imagens azuis foram tiradas por habitantes locais e as imagens vermelhas foram registradas por turistas. As fotos com cores amarelas podem ter sido registradas por outros grupos. No total ele mapeou 136 cidades e depois compartilhou esses mapas no Flickr. Em seu mapa de Londres vemos como os turistas freqüentam alguns locais bem conhecidos, todos eles no centro de Londres, enquanto que os moradores locais cobrem toda a cidade, mas documentam imagens menos assiduamente.

Esses projetos pioneiros usam metadados para revelar padrões em fotografia social. Contudo, eles não usaram imagens reais em suas visualizações, uma prática explorada pela primeira vez, ao menos que eu saiba, pelo artista James Salavon. Para projetos como Every Playboy Centerfold, 1988–1997 e Homes for Sale, 1999-2002, Salavon fez uma composição de um número de imagens para revelar as convenções fotográficas utilizadas para representar assuntos específicos. Seu trabalho mais recente, Good and Evil '12, 2012, é composto por dois painéis, cada um mostrando cerca de vinte e cinco mil fotografias resultantes das buscas realizadas no Bing das cem palavras mais positivas ou negativas em Inglês.

Os mídia artistas como Salavon demonstram como a visualização pode revelar padrões no conteúdo de coleções de imagens de grandes dimensões. Em 2007 montei um laboratório de pesquisa para explorar ainda mais essas ideias e desenvolver ferramentas de visualização de código aberto que podem ser usadas por quem trabalha com historiadores da arte, imagens, estudiosos de cinema, mídia e curadores. Uma das nossas ferramentas de software pode analisar as propriedades visuais (como contraste, tons de cinza , textura, cores dominantes , orientações de linha) e algumas dimensões do conteúdo (presença e posição dos rostos e corpos) em qualquer número de imagens. Outra ferramenta pode utilizar os resultados desta análise para posicionar todas as imagens em uma única visualização de alta resolução ordenada por suas propriedades e metadados. Nós usamos essas ferramentas para visualizar uma variedade de coleções de imagens, que vão de cada uma das capas da revista Time entre 1923 e 2009, num total de 4.535 capas, até um milhão de páginas de mangá.

Em nosso projeto recente, Phototrails, o doutorando em História da Arte Nadav Hochman, o designer/ programador Jay Chow e eu começamos a explorar padrões em fotos enviadas para sites de mídia social. Na primeira fase do projeto, baixamos e analisamos 2,3 milhões de fotos do Instagram advindas de treze cidades globais. Uma das nossas visualizações mostra 53.498 fotos compartilhadas por pessoas em Tóquio durante alguns dias consecutivos. A progressão das atividades dominantes das pessoas ao longo de um dia de trabalho, jantando, saindo - reflete-se na mudança de cores e brilho das imagens. Nenhum dia é igual. Alguns são mais curtos do que os outros, ou a progressão entre as diferentes actividades é muito gradual, enquanto que em outros é mais nítida. Juntas, essas fotos criam um "documentário agregado" de Tokio - um retrato da mudança dos padrões temporais da cidade que foram reunidos a partir de milhares de atividades documentadas .

Mas os documentários a partir de um conjunto de imagens são algo novo? O documentário experimental Um Homem com uma câmera (1929) de Dziga Vertov, que retrata um dia na vida de uma cidade soviética, pode ser considerado um precursor dessa forma. O filme combina filmagens realizadas em três cidades ucranianas - Odessa, Khartiv e Kiev - ao longo de um período de três anos. Vertov queria comunicar ideias particulares, como a construção de uma sociedade comunista que orientou a seleção e edição de sua filmagem.

Nossas visualizações de hábitos humanos renderizados por meio de fotografias advindas do Instagram não refletem somente um único ponto de vista. Mesmo assim, elas são tão subjetivas quanto as mais tradicionais fotografias. Assim como um fotógrafo decide sobre o enquadramento e a perspectiva, nós tomamos decisões formais sobre como mapear as imagens, organizá-las por datas de upload, ou cor, ou brilho e assim por diante. Mas, visualizando o mesmo conjunto de imagens de várias maneiras (veja aqui um exemplo que usa uma coleção de obras de arte de Mark Rothko), lembramos que nenhuma visualização oferece uma interpretação objetiva, assim como nenhuma imagem documental única e tradicional jamais poderia ser considerada neutra,  ao invés disso, a diversidade das fotografias do Instagram destacam a variedade de padrões complexos de vida que se desdobram em cidades que nunca podem ser de forma total visualmente capturadas em uma única visualização, apesar da nossa capacidade de usar milhões de fotos do Instagram.

( Novembro, 2013)

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