2016-07-01

Título: O imposto de valor acrescentado em Cabo Verde 10 anos após a reforma
Autor: Teixeira, Márcia Tavares
Resumo: O presente trabalho, realizado no âmbito do curso de Mestrado Científico em Direito Fiscal, visa abordar criticamente a importância do Imposto sobre o Valor Acrescentado para Cabo Verde, bem como, proceder à análise do seu regime e execução ao longo de uma década da sua vigência. O IVA é imposto relativamente novo no ordenamento jurídico cabo-verdiano que veio revogar e suceder um imposto cuja vigência remonta à era colonial – o imposto de consumo.
Tendo em conta a realidade financeira, administrativa e institucional de Cabo Verde, procede-se à comparação de ambos os impostos sobre o consumo e das respetivas vantagens e desvantagens para
assim se indagar sobre a pertinência e necessidade de introdução de um novo imposto sobre o consumo.
De igual modo, faz-se uma pequena incursão de análise comparativa sobre esses impostos em Angola e
Moçambique. Com maior frequência, procede-se à análise comparativa com o sistema tributário português, no qual o ordenamento jurídico cabo-verdiano se inspira.
Independentemente das características próprias deste imposto, é sabido, que a substituição de um imposto com mais de 40 anos de vigência acarreta um conjunto de alterações administrativas que não se cingem à elaboração de um novo diploma. Por um lado, essas alterações, para além de levarem o seu tempo a serem implementadas, implicam um dispêndio elevado de recursos. Por outro lado, um imposto com um período de vigência tão extenso como o imposto de consumo, que apenas sofreu alterações cirúrgicas pode, fruto de uma falta de atualização, não se adequar à realidade, em constante mutação, de qualquer sociedade.
Fazendo uma ponderação, apoiada sempre que necessário na experiência de outros países, averiguase qual dos fatores mais pesa aquando da decisão de adoção do novo imposto. Particularmente, pelo fato de Cabo Verde ter-se inspirado na experiência de Portugal, que apesar de ser um país com o qual Cabo Verde tem uma ligação inigualável, apresenta uma realidade financeira, administrativa e institucional diferente da realidade cabo-verdiana. Questiona-se, portanto, a necessidade de Cabo Verde adotar o novo imposto sobre o consumo quando Portugal, sem prejuízo dos méritos próprios deste imposto, o fez visando a futura integração na Comunidade Económica Europeia (atual União Europeia), da qual Cabo Verde não faz parte.
O imposto de consumo, que inicialmente visou compensar as receitas que se perderiam com a constituição do Espaço Económico Português do qual Cabo Verde, como território ultramarino, faria parte, acabou por se mostrar um imposto ineficiente. Um imposto cuja substituição urgia devido à sua estreita base de incidência, e ampla consagração de isenções, inúmeras taxas que incentivavam a fraude e evasão fiscal, mas principalmente, a sua reduzida capacidade de gerar receitas. Ademais, estas medidas encontraram-se justificadas pela patente ineficiência do imposto de consumo, que aumentava ao longo dos anos, ainda que a substituição deste imposto e adoção de um novo imposto acarretasse custos elevados acompanhado da necessidade de formação de toda a Administração Tributária (bem como dos sujeitos passivos). Os esforços que teriam de ser despendidos com a substituição do antigo imposto seriam compensados com a receita que se arrecadaria com o novo imposto. Se, os custos de implementação e administração deste imposto, em termos absolutos, eram bastante elevados, em termos relativos, encontravam-se completamente justificados.
Num ambiente em que as necessidades da população eram crescentes e, consequentemente, as despesas do Estado iam aumentando, não era sustentável um imposto de consumo que ficasse aquém do despendido com o consumo; um imposto de consumo que não tributasse a totalidade do consumo, deixando fora do seu âmbito mais de metade do consumo. Perante esta situação, não se podia deixar de concordar com a substituição deste imposto.
Por sua vez, a adoção do Imposto sobre o Valor Acrescentado, um imposto que exige uma cooperação mais estreita entre o sujeito passivo e a Administração Tributária e impõe a esta uma fiscalização mais abrangente, provocou uma alteração de todo o sistema da Administração Tributária, inclusive da sua estrutura. De um imposto que exigia à Administração apenas a confirmação do pagamento do respetivo valor no momento da entrada dos bens no consumo passa-se para um imposto que exige da Administração Tributária a fiscalização da entrada de mercadorias no mercado, da exportação de mercadorias e da realização de prestações de serviços, para assim confirmar, através de faturas emitidas, a cobrança do respetivo imposto e posterior dedução ou reembolso suportado a montante.
O IVA, que se mostrou um verdadeiro imposto geral sobre o consumo e cuja neutralidade resultante do seu método de cálculo é de se aplaudir, colmatou todas as insuficiências do anterior imposto de consumo. Este facto confirma-se principalmente quando apreciamos as receitas que o IVA tem permitido arrecadar, a sua contribuição para o totalidade das receitas correntes, receitas fiscais e receita total, bem como, a sua capacidade para fazer frente às despesas cada vez mais crescentes da sociedade. A evolução destas receitas, comparativamente com a evolução das receitas arrecadas pelo imposto de consumo, permitem avaliar o contributo que o IVA tem dado para o crescimento do PIB cabo-verdiano e para o desenvolvimento económico de Cabo Verde. Um contributo, sem dúvida, muito superior ao que vinha sendo dado pelo imposto de consumo cabo-verdiano. Com uma base de incidência maior, plurifásico mas não cumulativo, o IVA permite uma maior arrecadação de receitas e uma maior anestesia fiscal, o que, consequentemente, gera menor resistência ao pagamento do imposto e evita, ainda, a fraude e evasão fiscal. Por outro lado, torna mais simples, fácil e atrativo o relacionamento comercial de Cabo Verde com outras economias em que o IVA vigora.
Concluímos, assim, que a substituição do imposto de consumo pelo IVA foi uma solução eficaz que permitiu a Cabo Verde tornar-se menos dependente da ajuda internacional e mais independente financeiramente. Além disso, Cabo Verde adotou esse imposto no momento em que se considerou apto a administrá-lo e fiscalizá-lo, e não pela ligeireza de acompanhar Portugal nas suas alterações legislativas.
Não restam, assim, dúvidas, da pertinência e eficiência da adoção do IVA, que se tornou a âncora do sistema fiscal cabo-verdiano. Contudo, muitas são as incorreções que, ainda, vigoram na sua aplicação.
Umas, a nosso ver, podem ser resolvidas pela semelhante interpretação dada ao CIVA português, outras,
pelo afastamento das mesmas. Qualquer uma delas, porém, dão lugar a críticas e sugestões de aplicação.
São também tecidas críticas quanto a alguns atos da Administração Tributária, a algumas alterações
legislativas e a alguns regimes constantes do CIVA. Por exemplo, percebemos a necessidade de consagração de isenções, mas alertamos que a consagração de um excessivo leque de isenções pode
estreitar em demasia a base de incidência do imposto e provocar, à semelhança do verificado quanto ao
imposto de consumo, a sua decadência e insuficiência. Situação em que um dos méritos inerentes à
consagração do imposto é posta em causa. Por outro lado, alertamos para a necessidade de adaptação de
alguns regimes do CIVA à realidade cabo-verdiana. Por exemplo, a exigibilidade do imposto a entregar ao Estado antes mesmo da recebimento por parte do sujeito passivo do imposto devido pelo seu cliente, num país como Cabo Verde, pode tornar-se num encargo bastante excessivo para o sujeito passivo. Cabo Verde é um país em que grande parte dos seus operadores económicos goza de um fraco poder financeiro e de uma margem de lucro reduzida. Exigir destes que adiantem ao Estado uma quantia que ainda não receberam, na maior parte das vezes, torna-se num encargo que representa um grande peso para a tesouraria das empresas. Perante esta situação, o ideal seria que apenas se procedesse à entrega do imposto ao Estado após o efetivo recebimento da quantia por quem efetivamente o deve. Da mesma forma, consideramos que a consagração do Regime Jurídico Especial das Micro e Pequenas Empresas não teve em conta a realidade anteriormente regulada pelo regime de isenção, aplicando-se atualmente um regime que supera as condições dos operadores anteriormente abrangidos por aquele regime.
Conclui-se, assim, pela necessidade de consagração de um regime que melhor se aplique aqueles sujeitos
passivos. Por último, considera-se que parte das ineficiências deste imposto resultam de uma deficiente
atuação de Administração Tributária. Esta, através de atos que violam direitos fundamentais dos sujeitos
passivos e que são posteriormente revogados, introduz ineficiências que invertem a lógica do IVA, retirando-lhe os seus méritos.
Em suma, conclui-se que o Imposto sobre o Valor Acrescentado é um imposto mais eficiente que o imposto de consumo precedente, tendo, com sucesso, suprimido as deficiências daquele imposto e se adaptado, sem prejuízo das possíveis melhorias, à realidade cabo-verdiana. Facilitou, ainda, a integração de Cabo Verde no comércio internacional e, acima de tudo, permitiu a Cabo Verde tornar-se um país menos dependente financeiramente das ajudas internacionais. Com um contributo, a nível de receitas, inigualável a qualquer outro imposto, o IVA tornou-se a âncora do sistema fiscal cabo-verdiano. Um imposto que se adequa perfeitamente à tributação de consumo, mas que exige precauções para que os vícios que visou colmatar não sejam introduzidos no seu sistema.

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