2014-08-21

Quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Senado discute ideia de nova reforma ortográfica; Letras como H e Ç e dígrafos como SS poderiam deixar de existir.

Imagem: USP / Marcos Santos /

Reprodução / Creative Commons



É o português que tem que mudar ou
o brasileiro que precisa aprendê-lo?

Muitos brasileiros, não dá para estimar a quantidade, sequer se adaptaram à última reforma ortográfica da Língua Portuguesa, válida desde 2009. No entanto, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado já prepara outro projeto com mudanças mais radicais, tais como: excluir a letra H, substituir o CH por X, a retirada do hífen, entre outras. 'Hoje', por exemplo, se tornaria 'oje'; 'hotel' para 'otel'; 'flecha' mudaria para 'flexa'.

As alterações não param por aí: palavras escritas com S, mas que têm o som de Z, passariam a ser escritas com Z: em vez de 'casa', passaríamos a escrever 'caza'; 'música' se converteria em 'múzica'; 'deuses' para 'deuzes'; 'meses' para 'mezes'.

Palavras escritas com X, mas com o som de Z, seriam: de 'exemplo' para 'ezemplo'; 'êxito' para 'êzito', conforme explicado no blog do senador Cyro Miranda (PSDB-GO), que é o presidente da Comissão.

Enquanto que palavras escritas com SS, SC e Ç, todas com som de S, ficariam assim: de 'assassino' para 'asasino'; de piscina para 'picina'; de 'açúcar' para 'asúcar'; de onça para 'onza'; de 'caça' para 'casa'. A cedilha morreria da mesma forma que os dígrafos. Para quem não se lembra, dígrafo é a junção de duas letras para formar um único som: CH, SS, LH, NH, SC etc.

A ideia foi do professor de Língua Portuguesa Ernani Pimentel, que coordena o projeto 'Simplificando a Ortografia' em um site homônimo. Atualmente, há uma petição online a favor das sugestões com mais de 35 mil assinaturas até o final da noite dessa quarta-feira (20/8).

“Quase ninguém sabe a ortografia em nosso país. Encontrar quem saiba usar hífen, j, g, x, ch, s, z, é algo raro. Até professores precisam recorrer a dicionários para confirmar como se escreve uma palavra ou outra, de tão complexo que é o nosso sistema”, declarou Pimentel.

Já a vice-presidente da Comissão, senadora Ana Amélia (PP-RS), ressaltou que na última reforma ortográfica teria faltado uma consulta pública aos professores.

Em dezembro de 2015 termina o prazo para que a antiga grafia de certas palavras não seja considerada um erro de português.

De imediato, a Comissão prevê debates fechados com um Grupo Técnico de Trabalho. O mesmo seria composto pela Academia Brasileira de Letras (ABL), o Centro de Estudos Linguísticos da Língua Portuguesa (Cellp) e o movimento idealizador 'Simplificando a Ortografia'.

Somente a partir de outubro próximo começariam as audiências públicas para tratar do tema, não mais em portas fechadas.

Para maio do ano que vem, a Comissão pretende realizar videoconferências com professores especialistas de Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde para analisar a questão, uma vez que o idioma é o mesmo, apesar de suas peculiaridades regionais. Se o Congresso de cada país aprovar a ideia, a nova ortografia poderia entrar em vigor já em 2016.

“Portugal sentiu que teve pouco protagonismo, e é o berço da nossa língua. Nem todos os países haviam ratificado o documento. O Brasil não pode impor um acordo, tem que respeitar seus parceiros”, comentou Ana Amélia.

O presidente da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), Carlos Alberto Faraco, procurou a Comissão para manifestar a posição da entidade. Para ele, o país já estaria 'bem organizado' em torno da proposta original do acordo. Por isso, não haveria necessidade de se reabrir a discussão sobre o assunto, segundo a Agência Senado.

“No momento, é absolutamente prioritário o fechamento do círculo do acordo, que veio não para reformar a ortografia, mas apenas para dissolver a dualidade de ortografias oficiais que estavam criando constrangimentos à internacionalização da nossa língua”, disse Faraco.

Pelo que OPINÓLOGO leu em outros veículos, as mudanças poderiam ser mais profundas, do tipo: tirar o U da letra Q: de 'queijo' para 'qeijo'; de 'quinta-feira' para 'qinta feira'.

Opinião de uma professora

Para a professora de Português Marisa Tristão, consultada por OPINÓLOGO para opinar sobre o tema, essa rápida 'simplificação' prevista para 2016 lhe causa 'espanto'. Segue a análise:

“Simplificar a ortografia da Língua Portuguesa de forma tão contundente e com um curto espaço de tempo para sua entrada em vigor me causa espanto, pois é uma questão que demanda ser estudada, avaliada, aprovada e que deve atender aos interesses dos países lusófonos. Lembrando que a última reforma ortográfica começou a ser negociada em 1975 e em 1990 foi assinada pelos países de língua oficial portuguesa. Depois de ratificada, entrou em vigor em 2009, com período de adaptação de 3 anos (aceitação das duas grafias); período que foi estendido até dezembro de 2015.

São duas as questões apontadas para a proposta: Segundo o Senador Cyro Miranda, tais mudanças simplificam e aceleram o aprendizado da gramática e geram uma economia de dois bilhões de reais por ano ao país. Segundo especialistas, 400 horas são necessárias na alfabetização de um aluno, com a simplificação ortográfica seriam 150 horas, gerando assim uma economia de R$ 2 bilhões anualmente. Então, a princípio, essa proposta atende a questões financeiras. Uma mudança ortográfica deve atender a questões linguísticas dos países participantes do acordo ortográfico e não somente àquelas do Brasil.

Segundo o professor Ernani Pimentel, quase ninguém sabe ortografia em nosso país e que até professores recorrem ao dicionário para se certificar de como se escreve uma palavra ou outra devido à complexidade de nossa língua. Toda língua possui sua complexidade e acho absolutamente normal o professor buscar qualquer informação em dicionário, pois não somos guardiões da Língua Portuguesa.

O fato dos brasileiros não fazerem o uso correto da ortografia da Língua Portuguesa exige mudanças sim, mas vão muito além de uma simplificação ortográfica. É preciso repensar o ensino da nossa língua nas escolas e a avaliação que é feita desse aprendizado”, explicou Marisa Tristão.

Marisa Tristão é formada em Letras (Português – Francês) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Hoje aposentada, ela atuou por 25 anos como professora da rede municipal de Educação do Rio. No ensino privado lecionou no Ensino Médio e em cursos preparatórios.

Breve análise de OPINÓLOGO

Apesar de as sugestões visar modificações profundas, o senador Cyro Miranda nega que se trate de uma 'reforma' ortográfica: “Não queremos fazer uma reforma geral da ortografia. Queremos fazer o mínimo possível de mudanças, mas chegar a um consenso entre os países. Ainda estamos longe disso. As autoridades competentes têm que se envolver mais. Só a comissão se movimenta”.

Esse é o tipo de questão na qual OPINÓLOGO se sente bem à vontade para falar. Primeiro, por este jornalista ser um cidadão brasileiro nativo e usuário do idioma; em segundo lugar, por sua profissão, já citada neste parágrafo, porque o português é a sua ferramenta de trabalho.

“Em tempo: E dentro dessa proposta como vai ficar a música? 'Eu sou homem com H; E com H sou muito home'”, indagou Marisa Tristão, em alusão à canção 'Homem com H', de Ney Matogrosso.

É compreensível que haja esforços na luta contra o analfabetismo e na busca por tornar uma língua mais fácil e prática de se escrever e falar. Contudo, esse é um jeito desonesto de se tentar resolver a crise da educação no país. Não é o idioma que precisa ser rebaixado e/ou submetido a uma pobreza gramatical para chegar ao nível dos alunos. Ao fazer isso, tacitamente reconhece-se uma espécie de fracasso sistemático, mas se o ignora ao inverter o foco do problema.

Antes que haja más interpretações, é importante salientar que a educação básica não deve ficar unicamente nas mãos do Estado. A iniciativa privada estabelece a concorrência por oferecer uma prestação de serviço melhor, ou ao menos à altura do que os pais pagam para que seus filhos cresçam e tenham condições de disputar o mercado de trabalho. É o Estado que precisa se esforçar mais... remunerar melhor seus professores, disponibilizar ensino em tempo integral para a maioria dos discentes etc., nada diferente do que muitos especialistas afirmam e costuma ser visto como clichês.

E por falar em desonestidade, o próprio Estado, às vezes, acaba contribuindo com o problema no qual deveria ser sua responsabilidade solucionar. Veja, por exemplo, o livro distribuído pelo Ministério da Educação (MEC), em 2011, a alunos de primeira à quarta série de colégios da zona rural, que ensinava 'nós pega o peixe', em vez de 'nós pegamos o peixe', em respeito à gramática (o sujeito concordando com o verbo). Também houve erros absurdos em livros de matemática naquela ocasião do tipo: 16-7= 5, em vez de 9.

Em maio do ano passado, foi a vez da Prefeitura do Rio: sua Secretaria de Educação publicou apostilas de matemática e de geografia com erros. Constava a capital de Pernambuco como Belém, e não Recife; a da Paraíba, Manaus, em vez de João Pessoa.

São os tipos de casos em que o indivíduo, supostamente, se torna um analfabeto com diploma!!!

Em novembro de 2010, por exemplo, a Língua Espanhola passou por uma reforma. CH e LL deixaram de ser letras de seu alfabeto para se tornar dígrafos. 'Iraq' e 'Qatar' passaram a ser escritas como 'Irak' e 'Catar', respectivamente. Certas palavras perderam o acento, e as compostas passaram a ser escritas juntas. À diferença do português é que a antiga grafia não seria considerada um erro. Portanto, seus usuários poderiam escolher a forma nova ou a antiga sem o menor problema.

Já em dezembro de 2011, a Real Academia Espanhola (RAE) – equivalente à nossa ABL – finalizou a adição de mais de mil e 600 palavras O processo teve início em 2007. Incluiu palavras como 'bloguero' (blogueiro, em português), 'SMS' (mensagem de celular) e reconheceu a união homoafetiva como 'matrimônio'.

Algumas das melhorias que deveriam ser feitas ao português são permitir o uso dos pontos de interrogação de cabeça para baixo (¿) e de exclamação de cabeça para baixo (¡) antes da frase como existe no espanhol, para facilitar a leitura!!!

Ao longo desse processo, OPINÓLOGO trará artigos sobre essa temática e entrevistará outros profissionais para expor sua visão.

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