2015-06-07

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Depois de passar alguns meses cacarejando que iria botar pra quebrar na Cúpula das Américas sobre a questão das dezenas de bases militares ianques na América Latina, batendo no peito e dizendo que iria exigir de Washington a desativação de todas elas, a União de Nações Sul-Americanas, vulgo Unasul, amargou mais uma cúpula onde o USA deu de ombros aos arroubos retóricos do oportunismo, e a terceira seguida que nem sequer emitiu declaração final, dada a absoluta contradição entre as demandas atiradas à mesa para os títeres “chefes de Estado” latino-americanos pelo imperialismo em crise e a insistência destes mesmos lacaios em tentar posar de bravos defensores da soberania de suas nações.


Marines conduzem exercícios na praia de Salinas, no Peru
Da mesma forma que em 2009, uma cúpula da Unasul convocada especificamente para discutir as bases militares ianques na Colômbia terminou com uma declaração que, afinal, colocava panos quentes na questão — muito graças à articulação de Luiz Inácio neste sentido; da mesma forma que o finado Hugo Chávez não cansava de vociferar contra o cerco que o “diabo” do norte lhe fazia com nada menos do que 13 bases militares em torno do território venezuelano, mas nunca se atreveu a uma ação de retaliação concreta.
A Unasul diz que a tentativa do USA de pintar a Venezuela como uma ameaça à maior potência econômica e militar do planeta é um insulto à inteligência dos povos da América Latina e do Caribe.
Que dizer, então, da tentativa de fazer crer que a questão da cada vez mais forte presença militar do USA na América Latina no contexto de um processo de repartilha do mundo é algo que pode ser confrontado pelo oportunismo latino-americano esmerado no anti-imperialismo apenas de retórica, já que praticam mesmo é a política da “troca de amos”, ou seja, o deslocamento do imperialismo ianque em favor de potências europeias ou mesmo da China.
O circo armado pela Unasul foi uma reação bem ao feitio deste oportunismo à notícia de que Obama enviará para uma base militar ianque em Honduras um efetivo adicional de 250 marines — além de quatro helicópteros de combate e um veículo anfíbio de alta velocidade — que irão compor uma nova força especial de intervenção na América Latina, sempre sob o álibi do combate ao tráfico de drogas, ou melhor, ao “narcoterrorismo”.
Os levantamentos independentes sobre o número de bases militares do USA na América Latina que costumam ser mais repercutidos datam de 2012. Um foi feito pelo Movimento pela Paz, Soberania e Solidariedade Entre os Povos e dá conta de 47 bases estrangeiras na América Latina, a grande maioria ianque, mas também bases do imperialismo europeu, como da Grã-Bretanha e da França, ou mesmo postos como a base da Otan em Mount Pleasant, nas ilhas Malvinas ocupadas pelo imperialismo britânico, com sua pista de pouso de 2,6 quilômetros de extensão.
O outro é da jornalista argentina Telma Luzzani, segundo o qual existem mais de 30 Postos de Operações Avançados (FOL, sigla em inglês para Forward Operating Locations) ou Postos de Cooperação em Segurança (CSL, sigla em inglês para Cooperative Security Locations) do USA em pelo menos 17 nações latino-americanas, além de bases nas ilhas de Aruba e Curaçao (colônia holandesa). A extensa investigação de Telma Luzzani mostrou que estas bases são regidas pela legislação ianque, operam coordenadamente e servem não propriamente como pontos de partida para caçadas a traficantes de drogas, mas sim para “coletar dados, proteger oleodutos, monitorar fluxos migratórios, vigiar políticos ou apoiar golpes de Estado”.
Há também estratagemas diversos, álibis mil, para incrementar a presença militar ianque na América Latina quando se trata de instalar bases em nações gerenciadas pelo oportunismo de retórica anti-imperialista. Nestes casos, por vezes é preciso fazer subir cortinas de fumaças um tanto mais complexas do que a desculpa mais vulgar do combate às drogas. Um exemplo foi o anúncio, em dezembro de 2012, da construção de um Centro Anticatástrofes e de Ajuda Humanitária da cidade de Resistência, província do Chaco, na Argentina, com “ajuda” de US$ 1 bilhão provenientes do Comando Sul do exército ianque.

Remilitarização do Panamá pelos ianques


Base aérea do USA no Panamá
A Colômbia, com oito bases do USA em seu território, é o país latino-americano mais infestado de militares ianques. O Panamá, palco desta última Cúpula das Américas — justamente aquela onde mais uma vez a Unasul tentou, e deu em água, fazer desfilar toda sua bravataria sobre soberania nacional —, já teve um total de 12 bases militares subordinadas ao Pentágono. Todas foram ou desativadas ou entregues às forças armadas panamenhas em 1999, conforme previam os tratados do canal do Panamá.
Mal virou o século, entretanto, e o USA voltou a requisitar junto ao gerenciamento panamenho presença ostensiva de suas forças armadas naquela nação, sempre sob o pretexto de combater o narcotráfico e o “narcoterrorismo”. Ao longo da primeira década do século XXI foram firmados dezenas de contratos ou “convênios” entre o Estado do Panamá e o Pentágono, até que em 2009, exatos dez anos após a desativação oficial das bases militares do USA em torno do canal (e sob a “informação” de que a “inteligência do Panamá” mapeara mais de dois mil esconderijos usados por cartéis internacionais de drogas na costa do país), o gerenciamento de Ricardo Martinelli e a então secretária de Estado ianque, Hillary Clinton, assinaram um contrato para a construção de duas bases do Comando Sul no Pacífico panamenho (contrato assinado quando da visita de Martinelli ao USA na qual este sabujo ainda tocou o sino de abertura da Bolsa de Valores de Nova Iorque e foi à ONU dizer que seu país estava “aberto a investimentos”).
Antes disso, uma denúncia da organização Frente Nacional pela Defesa dos Direitos Econômicos e Sociais dava conta da construção de uma pista de pouso na cidade de Metetí, na província de Darién, para uso das forças armadas ianques, pondo em xeque a posição oficial do gerenciamento panamenho de que naquela altura não havia presença militar estrangeira no território do país, não obstante o USA tenha destinado em seu orçamento daquele ano de 2009 o repasse de US$ 7 milhões ao Panamá a título de ajuda ao combate ao tráfico de drogas.
Além de assinar com Hillary Clinton o acordo para a construção daquelas duas novas bases no Panamá, o gerenciamento Martinelli ainda inaugurou, em abril de 2011, um “centro regional de combate às drogas” na antiga base ianque de Howard, sob a direção de um panamenho e sob o mote de estar o Panamá assumindo a “liderança regional em matéria de segurança”, reunindo, naquela base, militares também de Belize, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e República Dominicana em uma força de “combate ao narcoterrorismo” na prática sob a supervisão do quartel general do Comando Sul, em Key West, na Flórida. Este centro ecoa o projeto de um “Centro Multinacional de Combate às Drogas” que o USA tentou emplacar na década de 1990, na iminência do fim da vigência dos tratados que lhe permitiram militarizar o canal do Panamá durante quase um século, justamente para perpetuar a presença das suas bases militares no país — projeto que foi barrado pela luta e pela pressão contrária do povo panamenho.
Poucos meses depois, no início de dezembro de 2011, o então ministro panamenho da defesa, José Raul Mulino, anunciou um novo acordo com o USA, este para a construção de uma “academia militar” no Panamá visando o treinamento, por militares ianques e colombianos, das polícias da América Central para controle de fronteiras e “combate a pessoas indocumentadas” — imigrantes ditos “ilegais”.

Honduras: o golpe e os ‘investimentos’ ianques


Base militar de Mount Pleasant, na Argentina
Na verdade, o USA vem aumentando o “investimento” em velhas e novas bases militares na América Latina desde a época do 11 de setembro de 2001, data marcante para o lançamento da nova estratégia de dominação global do imperialismo ianque como tentativa de resposta à crise geral, mas especialmente mesmo desde 2011, mais ou menos à época em que o então chefe do Comando Sul, general Douglas Frazer, saiu espalhando que o triângulo formado por Honduras, El Salvador e Guatemala “é provavelmente o lugar mais violento do planeta”.
Em agosto de 2013, o USA instalou a sua primeira base militar na Guatemala, perto da fronteira com o México, e atualmente Honduras é um dos maiores focos de presença militar ianque em toda a América Latina, e o grande impulso para esta condição foi dado há poucos anos, na sequência imediata de um dos mais recentes episódios de golpe de Estado no continente levado a cabo sob os auspícios de Washington.
Se Honduras com seu gerente populista, cujo turno seria bruscamente interrompido, já era palco de grande concentração de efetivos militares ianques, o número de contratos assinados entre o Pentágono e o “governo” de Tegucigalpa mais que duplicou nos dois anos subsequentes à deposição do ex-gerente Manuel Zelaya em relação aos dois anos anteriores ao golpe de junho de 2009, que alçou ao gerenciamento daquela semicolônia ianque o sabujo Roberto Micheletti e, depois, Porfírio Lobo.
Esta intensificação da presença militar do USA em Honduras, esta duplicação de “bate-pronto” dos esforços de “investimento” do Pentágono naquela nação foi a consequência mais imediata e evidente do desnivelamento da “crise política” no país, esta denominação genérica utilizada pela “comunidade internacional” e pelo monopólio internacional da imprensa para se referir à grande pugna que foi o processo de substituição de um gerente dos monopólios por outro mais apto a atender os interesses mais prementes do imperialismo, sobretudo do imperialismo ianque; foi — e tem sido — a prova mais cabal de a quem o chamado golpe serviu.

Um dos capítulos desta intensificação foi a aprovação em 2011 pelo Congresso do USA de um orçamento de US$ 25 milhões para a ampliação da base militar ianque de Soto Cano, também conhecida como base aérea de Palmerola, que fica no sudoeste do país. Zelaya dizia querer transformar Soto Cano em um aeroporto comercial, em um exemplo de porquê Washington em dado momento achou por bem que seria a hora de trocá-lo por alguém menos afoito nas barganhas vende-pátria. E foi afinal em Sato Cano que o avião do ex-gerente Zelaya fez uma escala em 2009 antes de decolar outra vez para levá-lo ao exílio e abrir caminho para o “governo de transição” de Micheletti.
Naquele mesmo ano em que o USA destinou US$ 25 milhões para a ampliação de Soto Cano, 2011, novas bases militares ianques foram construídas na Guatemala, Nicarágua, Equador e Belize com verbas oficialmente destinadas ao “combate ao narcoterrorismo” gerenciadas pelo Comando Sul.
Quanto a Soto Cano, em vez de aeroporto civil, a base aérea se transformou no mais novo centro de operações para o 7º Grupo de Operações Especiais (os chamados Boinas Verdes) do exército do USA na América Central, e é lá, em Palmerola, que os 250 marines que incomodaram a Unasul vão ficar estacionados, à espreita.
Há alguns anos, por descuido de uma associação empresarial da Flórida que reúne vendedores de armas e outros equipamentos militares, e que publicou em seu site na internet um relatório do comando dos Boinas Verdes classificado como “apenas para uso oficial”, tornou pública a informação de que, só no ano de 2009, os Boinas Verdes — essa ramificação das forças especiais ianques especializada em “guerra não-convencional” — realizaram operações em nada menos do que 18 países da América Latina, entre eles a semicolônia Brasil.
Em nosso país, de acordo com o documento vazado, os Boinas Verdes atuaram em três ocasiões naquele ano de 2009. Em março escoltaram o chefe do estado maior conjunto das forças armadas do USA, almirante Mike Mullen, em viagem que este militar fez até o Pelotão de Fronteira do Ipiranga, na fronteira com a Colômbia, a título de “conhecer a estrutura de defesa da Amazônia”, tudo na companhia do então ministro brasileiro da defesa, Nelson Jobim.
As outras atividades das quais os Boinas Verdes tomaram parte foram a participação de dois deles no treinamento de selva do exército brasileiro e de membros do 7º Grupo de Operações Especiais do exército do USA na “competição” Fuerzas Comando 2009, realizada em junho daquele ano em Goiânia. Foi a sexta edição da Fuerzas Comando, convescote financiado pelo Comando do Sul e que a cada ano acontece em um país diferente da América Latina, visando enraizar cada vez mais a presença, a influência e — por que não? — o comando militar ianque entre as forças armadas latino-americanas, ou como diz o release oficial: “promover as relações entre militares, aumentar a interoperabilidade e melhorar a segurança regional”.

USA reforçará tropas contrainsurgentes no Peru

Quarta Frota ianque em águas internacionais
Em março deste ano, foi anunciado que aumentará, de 120 para 3200, o número de soldados destinados à combater a guerrilha do “Sendero Luminoso” (alcunha que o monopólio da imprensa burguesa utiliza para designar o Partido Comunista do Peru). Em 29 de janeiro, o congresso “nacional” reafirmou a condição semicolonial do velho Estado peruano “autorizando” a permanência de tropas ianques em seu território. As “autoridades” das forças de repressão lacaias afirmam necessitarem de, no mínimo, 2500 efetivos.
A cooperação militar entre o gerenciamento Ollanta Humala e os marines ianques tem como pretexto o “combate ao narcoterrorismo”. Na verdade, o que pretendem é esmagar os resquícios da luta armada que teve seu auge nos anos 80 e início dos anos 90, quando o PCP, à época dirigido por Abimael Guamán, o Presidente Gonzalo, dirigia a Guerra Popular que representava uma séria ameaça à dominação do USA sobre o Peru.

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