2014-12-25

A polêmica senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) teve sua nomeação como ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento confirmada pela presidente Dilma Rousseff por meio de nota em que confirmou os nomes de mais 12 ministérios para seu novo mandato. O nome de Kátia Abreu já era cotado para o cargo e causou polêmicas entre os movimentos sociais. Na semana passada, era esperado que Dilma confirmasse a nomeação durante cerimômia em que a senadora foi empossada para um novo mandato como presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). No mesmo dia, cerca de 60 manifestantes ligados a movimentos sem-terra invadiram a sede da CNA em Brasília protestando contra a escolha da nova ministra.

Apelidada de “rainha da motosserra” e “miss desmatamento” pelo movimento Greenpeace e com um longo histórico de controvérsias com movimentos sociais, Abreu sofreu resistência até por parte de um gigante do setor agropecuário, a JBS, principal financiador da campanha a reeleição de Dilma Rousseff. Tendo resistido a tantos ataques à sua nomeação, ela chega como ministra forte no governo e com a missão de revitalizar um órgão que tem tido atuação apagada.

Para Alceu Castilho, que pesquisa as relações entre política e agronegócio e é autor do livro Partido da Terra (editora Contexto, 2012), Abreu entra como “ministra forte” e deve tentar deixar uma marca. “Não é uma burocrata, é uma política estridente, que vai disputar verba, vai tentar influir em outras áreas do governo.” Ele considera, porém, que sua nomeação “não só mostra que o governo não adotará nenhuma política à esquerda, como não se importa com as demandas de movimentos sociais”.

A nova ministra defende, por exemplo, que a demarcação de terras indígenas passe das mãos da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Congresso Nacional. Ela argumenta que hoje essas decisões são tomadas de forma “monocrática”, sem dar ouvidos aos diferentes segmentos da sociedade.

“Se for da vontade do governo e do povo brasileiro dar mais terra ao índio, que o façam. Mas não à custa dos que trabalham duro para produzir o alimento que chega à mesa de todos nós”, escreveu há dois anos em sua coluna na “Folha de S.Paulo”.

No mesmo espaço, em setembro deste ano, a senadora também reservou fortes ataques aos ambientalistas. “Há um sentido pejorativo que foi atrelado à palavra desmatamento, como se ela significasse um ato voluntário e arbitrário de destruição da natureza. Embora isto possa ocorrer, sobretudo quando a propriedade não é assegurada, como acontece com os madeireiros ilegais na Amazônia, a realidade é bem outra. Se comemos, é porque a terra foi cultivada e não deixada à sua forma nativa”, escreveu.

‘Miss desmatamento’

Não à toa, ela recebeu em 2011 do Greenpeace o “prêmio” Motosserra de Ouro, concedido a personalidades que, segundo a ONG, contribuem para o aumento do desmatamento no Brasil. Antes, em 2009, ativistas da mesma organização tentaram entregar à senadora a faixa de “Miss Desmatamento”. Na época, ela era relatora da Medida Provisória 458, que regularizava terras ocupadas na Amazônia. Abreu processou os ativistas, mas perdeu a causa no Supremo Tribunal Federal.

Outro assunto polêmico envolvendo a senadora é o trabalho escravo. Há um ano, uma equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho registrou indícios de trabalho semelhante à escravidão em uma fazenda de seu irmão, o advogado Luiz Alfredo Feresin de Abreu. Ele negou as acusações e disse que a operação foi feita para atingir sua irmã. Segundo a denúncia, os trabalhadores trabalhavam 11 horas por dia e dormiam em local precário, sem água e eletricidade.

Abreu defende no Congresso que a definição de trabalho escravo seja mais restrita que a atual, que inclui “condições degradantes e jornada exaustiva”. Para a senadora, a atividade só deveria ser considerada escravidão quando o trabalhador é obrigado a permanecer no local e não consegue deixar o local de trabalho.

Nome forte

Apesar de colecionar polêmicas, a nova ministra é vista tanto por simpatizantes como por críticos como um nome capaz de fortalecer o ministério em meio a um momento difícil para o setor. O órgão, que está nas mãos do PMDB desde 2007, tem tido atuação apagada e a alta rotatividade no comando da pasta se intensificou no governo Dilma: foram quatro ministros em quatro anos.

A expectativa é de que com Abreu o órgão ganhe relevância e seja tratado em pé de igualdade com outros ministérios importantes. Isso pode ser fundamental para garantir verbas a um setor que passa por um momento delicado de queda acentuada de preços, principalmente de produtos como soja, milho e açúcar.

A desvalorização das commodities agropecuárias é um dos motivos que explicam a forte queda do saldo da balança comercial brasileira, afirma Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, que faz análise de mercado agrícola. Pelo primeira vez desde 2000 o país deve encerrar o ano com resultado negativo entre importações e exportações. Até novembro, o rombo acumulado no ano era de US$ 4,2 bilhões.

“Os preços desabaram. Ela sabe o tamanho da encrenca que tem pela frente. É um nome forte, mas temos que esperar para ver se terá habilidade para manter o bom ritmo de expansão do credito agrícola em meio ao ajuste fiscal, em que a disputa por verbas ficará mais acirrada”, afirma Silveira.

‘Sacudida’

Mesmo os que não simpatizam com a nova ministra, reconhecem seu potencial para lidar com o momento difícil. Um importante representante do setor, que já integrou o Ministério da Agricultura e presidiu importantes associações de produtores, diz não gostar do “estilo autoritário” de Abreu que, segundo ele, “coloca interesses político-partidários à frente dos da agropecuária”. Ainda assim, considera que sua nomeação é “uma sacudida no ministério” após anos de “mediocridade” da pasta sob comando do PMDB.

Na bancada ruralista, não houve unanimidade em torno de Abreu. Alguns expoentes do grupo, entre os quais o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS) preferiam a manutenção do ministro Neri Geller no cargo. Parte da resistência deve-se ao fato de que ela se filiou ao PMDB há apenas um ano. Mas o atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS), diz que Abreu terá todo o apoio do grupo.

“Todas as bandeiras dela também são nossas. Ela conhece muito bem o setor e o Congresso. Tem personalidade e poder de liderança para avançar nos temas que nos são caros”. A nomeação de Abreu resistiu até mesmo à oposição do grupo de frigoríficos JBS, principal financiador da campanha a reeleição de Dilma Rousseff. Em discurso em 2013, a senadora acusou a JBS de “prática monopolista e marketing enganoso”. Segundo o jornal “Folha de S.Paulo”, o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, foi recebido no Palácio do Planalto pela presidente, numa tentativa de contornar o mal estar.

Contraponto

Para apaziguar os ânimos também dos movimentos sociais e ambientalistas, Dilma escolheu o atual ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Miguel Rossetto, para a Secretaria Geral da Presidência. Está cotado para substituí-lo o ex-prefeito de Belo Horizonte, Patrus Ananias, que já foi Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Lula.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário e a Secretaria Geral da Presidência são responsáveis, respectivamente, pelas políticas para pequenos agricultores e pelo diálogo do governo com movimentos sociais. Os órgãos atuam, portanto, em pólo oposto ao do Ministério da Agricultura, tido como mais voltado aos médios e grandes produtores rurais.

Rossetto assumirá o novo posto com prestígio junto a Dilma por ter sido um dos principais articuladores de sua campanha à reeleição. Ele ocupará o posto de Gilberto Carvalho, que em entrevista recente à BBC Brasil disse que Dilma falhou no diálogo e no atendimento das demandas de movimentos sociais.

O objetivo de Dilma é contrabalançar a repercussão da nomeação da líder ruralista como ministra da Agricultura entre pequenos agricultores e movimentos sociais, sinalizando assim que o governo não prioriza os grandes produtores. Pequenos produtores orgânicos estão entre os que não gostaram da nomeação de Abreu. Ernesto Carlos Kasper, que preside a AbraBio (Associação Brasileira da Agricultura Familiar Orgânica, AgroEcológica e AgroExtrativista) diz que o histórico da nova ministra o deixa receoso.

Uma das principais demandas da senadora nos últimos anos é a aceleração da liberação de novos agrotóxicos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Para Kasper, não há dúvida de que a Embrapa – órgão de pesquisa subordinado ao Ministério da Agricultura – continuará privilegiando o agronegócio em detrimento do desenvolvimento da agroecologia.

Ele elogia o trabalho do Ministério do Desenvolvimento Agrário, mas considera uma discriminação manter a agricultura familiar de fora das ações do Ministério da Agricultura.

Aproximação com Dilma

Nos últimos anos, Katia Abreu saiu de um partido de oposição, o DEM, passou pelo PSD e chegou ao principal aliado do governo, o PMDB em outubro de 2013. A senadora foi uma das maiores adversárias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso, tendo se notabilizado por duros discursos contra o governo. Em 2008, referindo-se ao mensalão, ela sugeriu que Lula dedicasse mais tempo “ao trabalho e à punição exemplar dos 40 quadrilheiros e menos às críticas falaciosas”.

Após a posse de Dilma Rousseff, ela amainou o tom, mas permaneceu em lado oposto ao do governo em diversas votações no Congresso, como na do Código Florestal. A aproximação com a atual presidente começou quando Dilma ainda era ministra da Casa Civil e foi diagnosticada com câncer em 2009. Segundo relato da senadora ao programa “Poder e Política” do portal “UOL”, na ocasião ela escreveu uma carta a presidente se solidarizando no processo de tratamento.

Depois disso, a aproximação das duas se intensificou quando Abreu foi recebida algumas vezes pela presidente na condição de representante do setor agrícola, já que ela preside a CNA. “Eu posso dizer com muita tranquilidade, de uma representante de classe que não votou nessa presidente, se eu somar tudo que já aconteceu nos últimos dois anos da presidente Dilma, dois anos e meio, nós já resolvemos passivos de 20 anos [do setor agrícola] que não tinham soluções”, disse, na entrevista ao “UOL” em 2013. Na eleição deste ano, ela declarou apoio à Dilma. (Fonte: BBC)

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