2015-08-10

Gianne Neves é Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, coordena projetos com jovens no CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular – Rio de Janeiro, Brasil e é pesquisadora na área de juventude.

E-mail: gianneneves@cecip.org.br

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Resumo: Este artigo é um relato de como jovens moradores da cidade do Rio de Janeiro, Brasil, por meio de projetos sociais, estão fazendo uso das TIC´s – Tecnologias de Informação e Comunicação e uma reflexão sobre como esses jovens estão se apropriando das tecnologias produzindo cultura. Dois projetos sociais nas áreas de educação e comunicação, realizados pelo CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular1, são inspiração neste artigo.

Palavras chave: Rio de Janeiro, Brasil, CECIP, crianças, juventude, tecnologias.

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Youth and Technologies: Experiences of Social Projects in Rio de Janeiro

Abstract: This article is an account of how young residents of the city of Rio de Janeiro, Brazil, through social projects, are making use of ICT – Information and Communication Technologies and a reflection on how these young people are grabbing technologies producing culture. Two social projects in education and communication, conducted by CECIP – Creation of Popular Imaging Center, are inspiration in this article.

Keywords: Rio de Janeiro, Brazil, CECIP, children, youth, technologies.

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No Brasil, são aproximadamente 50 milhões de pessoas com idades entre 15 e 29 anos, o que representa mais de 25% da população total (2013). Os estudos e a produção de conhecimento no campo da juventude são cada vez mais crescentes e diversos, por isso faz-se necessário uma breve contextualização, apresentando como temas relacionados à condição juvenil vêm sendo abordados em pesquisas acadêmicas.

Estudos da década de 1960 tendiam a ver os jovens como segmento de forte participação nas práticas da vida cotidiana, fazendo uma associação entre a noção de juventude e a condição de estudante, eram referência na realização ações culturais e considerados como um segmento crítico, ativo e organizado. Já na década de 70, muitos estudos consideraram que a juventude estava vivendo um vazio político e cultural, como consequência da ditadura militar. Em 80, algumas pesquisas buscavam as razões pelas quais a juventude não tinha mais a mesma participação identificada na década de sessenta. Neste período o sentido da prática juvenil, assim como a participação política, começavam a ser repensados.

Nos anos 90 buscou-se, entre tantas outras condições, identificar comportamentos e estilos juvenis, entender as resistências, valorizar as micropolíticas e considerar a juventude no plural. Nos anos 2000, muitos trabalhos se concentraram nas novas redes sociais, atuação cultural e micropolíticas cotidianas (Borelli, Rocha, Oliveira, Rangel e Lara 2010).

Hoje a busca pelas singularidades da juventude brasileira está cada vez mais presente nos estudos realizados por diversas áreas do conhecimento, assim como o tema da interface juventude e tecnologia, onde seus usos e apropriações são algumas das reflexões mais contemporâneas de pesquisa.

Em um contexto mais geral, vale destacar que, na década de 1990, quando a juventude brasileira passou a ser vista com esta certa pluralidade, os jovens de periferia passaram a “existir”, geralmente associados a problemas sociais. Sob essa perspectiva, para esse grupo de jovens, tornava-se necessário o desenvolvimento de ações de controle social e que pudessem “prepará-los” para o mercado de trabalho. Tornaram-se um dos principais públicos de projetos e programas sociais de diferentes naturezas.

Criadas nesse contexto, as iniciativas que envolviam organismos internacionais, ONGs, organizações empresariais, entre outros, consideraram os jovens como criminalizados, como ameaçados ou ameaçadores e ou como objetos, públicos-alvo de políticas puramente assistencialistas. Somente no final dos anos 1990, a juventude passa a ser uma questão social com mais relevância, como dito anteriormente. O jovem começa a ser visto como sujeito de direitos, que necessita de políticas públicas que atendam às suas especificidades e que considerem seu desenvolvimento e formação.

Os projetos de educação e comunicação: reflexões sobre tecnologia e cultura

Foi em 1994, na região metropolitana do Rio de Janeiro, que o CECIP iniciou suas atividades voltadas para o público juvenil. O projeto Repórter de Bairro[2] foi um dos primeiros projetos realizados pela ONG, envolvendo jovens, adolescentes e tecnologias de informação e comunicação.

Em quase 30 anos de experiência o CECIP desenvolveu cerca de 30 projetos, envolvendo diretamente mais de 2500 jovens e adolescentes, com idades entre 13 e 21 anos, estudantes de escolas públicas do Rio de Janeiro e de outros estados. Nessas iniciativas, as TIC’s são vistas como aliadas, pois se transformam em instrumentos de estímulo à participação no espaço escolar e na comunidade, onde os jovens podem experimentar ser protagonistas de suas ideias e disseminá-las para públicos mais amplos, assim como discutir temas como valores, identidade e o seu lugar no mundo.

A experiência de trabalho com jovens continua a ser desenvolvida. Atualmente, nesta área, estão em curso, no CECIP, dois grandes projetos envolvendo diretamente o público jovem:

A Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, programa do Instituto Oi Futuro, coordenado pelo CECIP. A Escola oferece, a cerca de 60 adolescentes e jovens de escolas públicas, no período de 9 meses, com aulas diárias, formação em áreas estratégicas para o mercado da comunicação: fotografia, vídeo, design gráfico e motion design, onde os jovens têm acesso à tecnologia de ponta.

Para complementar a formação, os jovens têm aulas de design sonoro, história da arte e tecnologia, oficina da palavra, web design e arte digital. A Escola tem como objetivos preparar para o mercado de trabalho nas áreas de arte e tecnologia, assim como contribuir para que os jovens ampliem a capacidade de refletir e atuar sobre o universo em que vivem. Esse modelo de escola tem sede em outros três estados, Belo Horizonte, Recife e Salvador.

A Nave do Conhecimento, localizada em Nova Brasília, no Complexo do Alemão,[3] é um projeto realizado pela Secretaria Especial de Ciência e Tecnologia do Município do Rio de Janeiro, no qual o CECIP é responsável pela gestão do espaço, que oferece cursos e atividades de formação em novas tecnologias, disponibilizando livre acesso à internet e a recursos de multimídia, além de investir na produção e difusão de conhecimento, cultura e arte. Essa política pública, da forma como foi implementada em Nova Brasília, foi desenhada baseada na longa experiência do CECIP no desenvolvimento de projetos nas áreas de educação e comunicação.

Dona Sebastiana sendo entrevista ao lado de seu totem criado para umas das Exposições de resul-tados montada na Nave do Conhecimento, localizada numa praça central do Complexo do Alemão.

Nesses projetos realizados pelo CECIP, as TIC´s têm papel chave na formulação de novas demandas sociais. Na Oi Kabum, os jovens produzem diferentes peças de comunicação e campanhas, que se transformam em instrumentos para interferir em suas realidades, mobilizando coletivos culturais, disseminando por meio da arte a sua visão sobre o mundo.

As formas de participação social e política estão sendo modificadas pelas formas inovadoras de uso das tecnológicas, por um lado fazendo uma descentralização radical, dotando grande parte dos indivíduos e os grupos de uma capacidade de resposta, empurrando a interação e a possibilidade de intervir nas tomadas de decisão, renovando a sociedade civil e a participação democrática; por outro lado é uma forma mais sofisticada de centralização e de controle social, onde os usos da virtualidade da tecnologia são acompanhados de “manuais de uso” que servem para materializar hábitos e tendências da sociedade.

A cultura também é afetada pelas novas tecnologias. Na Nave do Conhecimento de Nova Brasília, a cultura local tem sido contada e recontada por meio da valorização da experiência de moradores antigos que contribuíram para a construção e resistência do local. Suas histórias e memórias estão registradas em vídeos e fotografias, feitas por jovens moradores, e são apresentadas para o público mais amplo na própria comunidade criando novos espaços para reflexão sobre o lugar onde vivem.

Para compreender essa relação entre a tecnologia e a cultura, Edgar Morin (1986) trás importantes contribuições. Segundo ele o capital de cultura não é dado pela classe social; a cultura não está condicionada ao acesso aos bens materiais. Cultura é uma projeção, concepção imaginária que é constituída pela vida real e não de classe, e assim a cultura é concebida a partir da forma como as pessoas se apropriam de determinada dimensão cultural. Sendo a cultura uma concepção imaginária constituída pela vida real, a tecnologia conseqüentemente impactará na cultura, porém a conseqüência será uma ampliação da comunicação entre os indivíduos.

Nos contextos desses projetos, a tecnologia não pode ser considerada somente enquanto produto, ela ganha diferentes sentidos, um deles é a possibilidade de mediar a produção cultural de e por jovens e fazer com que eles se apropriem dessa cultura. Pode ter também o sentido de possibilitar diferentes formas de comunicação e intervenção no local onde vivem bem como na sociedade mais ampla.

Para finalizar…

De uma maneira geral, os projetos com jovens desenvolvidos pelo CECIP têm como principal objetivo a formação do ser humano e sua preparação para a vida. O conceito ensino educativo, de acordo com Morin (2011), expressa adequadamente esse sentido, pois este tem a missão de transmitir não só o mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição de ser humano e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre. A tecnologia e a cultura fazem parte de um processo de aprendizagem, contribuindo para reflexão crítica da realidade, estimulando novas formas de inserção social dos jovens.

A maneira como os jovens estão utilizando a tecnologia nestes projetos, revela como a identidade da juventude está sendo modificada. Em Martín-Barbero (1987), o modo como os jovens se relacionam com as tecnologias, principalmente a internet, não é como uma máquina, mas sim como uma mediação. Nesta relação considera-se o papel político do jovem enquanto receptor e produtor de culturas, mobilizador e capaz de transformar sua realidade. A utilização da tecnologia tem potencializado e diferenciado as formas de participação juvenil.

De acordo com Morin, há uma mudança na ordem de expressão; não se escreve e não se lê da mesma forma que antes, assim como o ver e o ouvir são diferentes. Para o autor, houve uma ruptura espacial e temporal, que transforma a sensibilidade, a maneira de perceber o mundo e, consequentemente, a maneira de participar do mundo. Mesmo considerando estas mudanças e o lugar da tecnologia quando se discute a condição juvenil, é preciso considerar que a juventude brasileira tem acessos à tecnologia de modos muito diferenciados. As experiências nos projetos demonstram que o acesso às tecnologias por si só não garante a inclusão social, não basta ser só conectado, mas é preciso se conectar com um repertório cultural que dê condições ao jovem de se incluir socialmente.

Referências Bibliográficas

BORELLI, S. H. S.; LARA, M. R.; OLIVEIRA, R. A.; RANGEL, L. H. V.; ROCHA, R. M. Jovens urbanos, ações estético-culturais e novas práticas políticas: estado da arte (1960-2000). In: Jóvenes, cultura y política en América Latina: algunos trayectos de sus relaciones, experiencias y lecturas (1960-2000). Sara Victoria Alvarado y Pablo A. Vommaro (org). Buenos Aires: Homo Sapiens/CLACSO-Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2010.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Cultura, hegemonia e cotidianidade. Dos meios às medições. Comunicação, cultura e hegemonia. Barcelona, Gustavo Gil, 1987.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnologias: inovações culturais e usos sociais. In: Ofício do Cartógrafo. Travessias latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo: Loyola, 2004.

MORIN, Edgar. A cultura; In: Cultura de massa no século XX. Espírito do Tempo 2. Necrose. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 1986.

SECRETARIA NACIONAL DE JUVENTUDE. Políticas Públicas de Juventude. Secretaria geral da Presidência da República. Brasília, 2013.

NOTAS

[1] O Centro de Criação de Imagem Popular – CECIP, fundado em 1986 no Rio de Janeiro/Brasil, é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, criada por um grupo de profissionais de diversas áreas, visando democratizar a informação para amplas camadas da população. Após 29 anos de existência e conhecimento acumulado, sua missão é contribuir para o fortalecimento da cidadania, produzindo informações e metodologias que influenciem políticas públicas promotoras de direitos fundamentais. www.cecip.org.br

[2]Os Repórteres de Bairro eram grupos de moradores de bairros da Baixada Fluminense que criavam vídeos sobre temas de seus interesses e sobre os locais onde moravam. Essas produções eram exibidas em praça pública.

[3]Conjunto de treze favelas, localizadas na Zona Norte do Rio de Janeiro, considerada uma das regiões mais violentas da cidade. Foi ocupada pelo Exército em 2011 e, em 2012, recebeu a UPP – Unidade de Polícia Pacificadora, modelo de segurança pública adotado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, desde 2008.

This article was published on August 12, 2015, for the International Youth Day, in Global Education Magazine.

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