2013-12-27





Photo by Masha Frolyak



Ney – Edi and Gerald rehearsing in New York

ISABEL DE LUCA

Publicado:

23/10/13 –

Ney Latorraca, Edi Botelho e Gerald Thomas, em Nova York: estreia em SP após o carnaval e temporada no Rio a seguir

Foto: Divulgação

Ney Latorraca, Edi Botelho e Gerald Thomas, em Nova York: estreia em SP após o carnaval e temporada no Rio a seguir Divulgação
NOVA YORK – Gerald Thomas sentiu no próprio corpo a internação da qual Ney Latorraca quase não voltou. Faz um ano depois de amanhã: Gerald chegou em casa sem conseguir respirar direito, desmaiou na cama e ouviu sua falecida mãe dizendo coisas que, logo soube, estavam acontecendo com o amigo — inclusive o nome do irmão do médico que operou a vesícula do ator e, por obra do acaso, estava presente na cirurgia. Quando Ney foi intubado, Gerald teve dor de garganta. Quando houve suspeita de trombose, teve dores na coxa. Quando o quadro se complicou, ligou para uma mãe de santo.

— Foram três dias enchendo bacia de água com sal feito um doido. Três dias acordado. Eu não tenho essa tradição, sou um cético total — ressalta o diretor. — A ironia é que eu, que nunca escrevi nada sobre ninguém incorporando nada, tinha esboçado uma coisa sobre o Ney incorporando a Rainha Victoria. E de repente lá estava eu, essa porcaria judaica, incorporando também.
Em 25 de outubro de 2012, Gerald estava estabelecido em Londres, de onde Ney acabara de voltar. Eles passaram dias dedicados justamente à leitura das 30 primeiras páginas da peça “Entredentes”. Agora, com Gerald morando novamente em Nova York e Ney recuperado, foram retomados os ensaios daquela que será a grande volta do ator aos palcos — num papel mediúnico e com a ação passada no Muro das Lamentações, em Jerusalém. A estreia será em São Paulo, após o carnaval, seguida de uma temporada no Rio.

— Eu quase morri. Pifou tudo. Só que não me lembro de nada, né? O Gerald recebendo uma entidade e eu lá, errr — diverte-se Ney, fazendo cara de desacordado, no apartamento do diretor, às margens do East River.

Gerald, Ney, Edi Botelho (ator da primeira formação da Cia. de Ópera Seca, em São Paulo, em 1986) e Daniela Visco (assistente de direção e atual mulher do diretor) estão ensaiando por dez dias num estúdio alugado em Manhattan, sempre das 16h às 20h. Em janeiro, a produção se intensifica com a mudança temporária de Gerald e Daniela para o Brasil, onde a atriz portuguesa radicada em Londres Maria de Lima se juntará ao elenco. É a terceira vez que Gerald dirige Ney — as outras foram em “Don Juan” (1995) e “Quartett” (1986) —, a primeira com um texto próprio. E, sendo assim, o casamento entre o real e a ficção caiu como uma luva. A peça, claro, mudou muito depois dos problemas de saúde de Ney, cujo personagem lá pelas tantas brada: “Eu entrei em coma, entrarei em coma quantas vezes for necessário!”.

— Desde 1985, quando dirigi o Julian Beck, existe uma coisa na minha vida que é o metateatro, a metalinguagem. O Julian estava morrendo de câncer e por acaso me escolheu para dirigir a última coisa que ele faria no palco. Não era o The Living Theatre (companhia de teatro que Beck fundou), eu fiz “The Dying Theatre”. E desde então houve uma série de casamentos metalinguísticos: Fernanda mãe e Fernanda filha (em “The flash and crash days”, de 1991), Marília Gabriela fazendo o papel de entrevistadora (em “Esperando Beckett”, de 2000)… — lembra Gerald.

Ney conta que quando teve alta e precisou encarar os fisioterapeutas, após quase dois meses praticamente imóvel, achou que não andaria mais. E diz que nunca vai esquecer a primeira vez em que, passado o susto, foi andar sozinho na Lagoa.

— Era 12 de março. Saí de shortinho e boné, dizendo que ia só até o homem do coco. Mas fiz a Lagoa inteira. Não andava em linha reta, ia assim, ó (ele percorre a sala em ziguezague). Eu estava muito magro — comenta ele, já de volta aos 77 quilos. — Chegaram a noticiar que eu morri. Até hoje, quando ando pela Lagoa, as pessoas se jogam no chão, o ônibus para. É uma comoção. Eu não sabia que era desse jeito. Foi um tal de gente ir pagar promessa em Aparecida… Depois de tudo isso, para mim, o que está valendo mesmo são as pessoas.

O mesmo vale para o trabalho.

— Nesta altura do campeonato, eu, que já estou para fazer 70 anos de idade e 50 de carreira, quero trabalhar com alguém que me acrescente alguma coisa, se não, eu prefiro ficar em casa. Eu ganho muito bem na Globo, sou contratado da emissora há 40 anos, tenho plano de saúde, sou muito respeitado na minha terra, então eu posso me dar ao luxo de dizer: eu quero trabalhar com o Gerald Thomas, com o Luiz Fernando Carvalho, eu quero ficar com a minha turma — ele avisa, carregando no estilo Ney Latorraca.

É pelas mãos de Luiz Fernando Carvalho que Ney vai voltar à televisão, em dezembro. O especial que dará origem à série “Alexandre e outros heróis” (adaptação do livro de contos de Graciliano Ramos) já foi gravado. Em novembro, serão rodados os nove episódios do programa:

— É como fazer teatro dentro da TV Globo. Você tem aula de canto e tudo, e decora aquele texto de 70 páginas como se fosse uma peça. Uma delícia.

Quanto a trabalhar com Gerald, ele destaca o que chama de “brecha jornalística”, que permite ao autor-diretor encaixar no texto temas quentes do noticiário:

— Tem esse frescor, o teatro do Gerald.

O imbróglio das biografias não autorizadas já está em “Entredentes” — cujo nome, o diretor avisa, ainda deve mudar —, numa cena em que Ney diz coisas como “A minha (biografia) pode publicar, viu? Sem problemas” e “Aqui (no Brasil) ninguém lê. A população é analfabeta. Por isso podem publicar o que quiserem. Não faz a menor diferença, entende?”.

— É o desejo de voltar a ter censura — posiciona-se o ator. — Daqui a pouco vão querer censurar matéria de jornal.

O assunto é de especial interesse para a turma: a biografia de Gerald assinada por Edi Botelho não pôde ser lançada, no ano passado, depois que um ex-ator da companhia do diretor entrou com uma notificação apontando “inverdades” no texto.

— Estamos esperando esse processo no STJ agora — diz Botelho.
Gerald, por sua vez, prepara um livro autobiográfico, “Let’s say it all started”, e um romance, “Lost case of a brief case”. Após anunciar que abandonara o teatro, em 2009, e voltar atrás criando a London Dry Opera Company — com a qual apresentou seu último espetáculo no Brasil, “Gargólios”, em 2012 —, hoje desativada, ele promete formar a New York Dry Opera Company até o fim do ano.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/ney-latorraca-grande-volta-um-ano-apos-internacao-10491051#ixzz2ofHsadzI

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Um site engraçado pra quem é brasileiro:

http://desciclopedia.org/wiki/Gerald_Thomas

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