2014-05-09



Mudança? Só dos favelados ali do lado, pra onde não sei, só sei que foi pra longe

Há tempos estava com vontade de falar sobre o assunto, esperei o máximo que eu pude pois aguardava que essa gestão da prefeitura, em algum momento, fosse contradizer minha impressão de que nada seria diferente do que tivemos nas gestões anteriores, mas depois que li essa excelente matéria da Vanessa Correa da Folha, minhas esperanças foram pro brejo.

Primeiro vamos nos situar, apesar de muitos considerarem essa minha atitude um crime, vou tornar público que na campanha de 2012 a prefeitura de São Paulo, eu auxiliei a equipe da campanha do candidato José Serra na montagem do seu plano de governo para bicicletas. E não fiz isso porque sou Serrista, fiz isso como ativista e cidadão, aceitei o convite pois vi ali uma excelente oportunidade para cobrar de forma mais efetiva um compromisso em relação as bicicletas. E fui porque me convidaram, se outros candidatos me convidassem faria o mesmo, pois não importa quem seja eleito, sendo da minha preferência ou não, essa pessoa vai administrar a MINHA cidade e ela deve satisfação a todos os eleitores e não apenas a aqueles que o elegeram.

Outra coisa, não fui o único ciclista de renome a auxiliar a montagem do plano de governo para bicicletas do candidato Serra, diversas outras figurinhas carimbadas também ajudaram, ao menos uns cinco ciclistas muito conhecidos no nosso meio e só não digo os nomes pois isso deveria partir deles e não de mim. Enquanto isso, o plano de governo para bicicleta do Haddad, foi escrito por uma única pessoa, também um ativista da bike só que ligado diretamente ao partido do atual prefeito e não por um colegiado de ciclistas ou especialistas como ocorreu com o plano do Serra. E essa informação eu ouvi da pessoa que se disse responsável pela elaboração do plano do Haddad e nem vou perder tempo tentando comentar o plano pois ele não dizia absolutamente nada.

Falando do plano que ajudamos a montar, o candidato Serra queria de todas as formas anunciar uma meta com quilômetros de ciclovias e todos nós fomos contra, pois qualquer um que entende um pouco do assunto sabe muito bem que quantidade de ciclovias não significa uma cidade é melhor ou pior para se pedalar. Basta comparar o Rio com Sampa, pedale fora das ciclovias cariocas para imediatamente sentir saudades das ruas paulistanas.

Voltando ao plano, concordamos que ele poderia divulgar a meta de 400 kms de ciclovias mas isso seria só para agradar os leigos, pois o que realmente nos interessava era a criação de uma Secretaria ou Coordenadoria, COM ORÇAMENTO, para ser responsável em cuidar apenas da mobilidade não motorizada, incluindo aí pedestres, cadeirantes skatistas e ciclistas. Além disso, dentro do plano estava a criação de um Plano Cicloviário que abrangesse TODA a cidade e para a criação desse plano, o primeiro passo seria a realização de uma espécie de Pesquisa Origem e Destino focada nos ciclistas. Com esses dados em mãos poderíamos criar um Plano Cicloviário, orçar, alocar recursos e saber quando ele seria totalmente implantado.

Outro detalhe, esse plano seria produzido por técnicos especializados e só seria levado para sugestões da população depois de pronto, mas porque isso? Porque sabemos que se até entre os ciclistas, a maioria não tem a menor noção de como realizar um plano cicloviário, imagina a bagunça que seria se jogássemos na mão da população a responsabilidade da sua criação? Teríamos a mesma concha de retalhos, sem o menor sentido, que criaram no plano regional estratégico do Plano Diretor de 2002. Em 2009 escrevi sobre ele no CicloBR, quando ele ainda era um site pessoal meu. Como esse texto não está mais no ar, quem quiser pode conferir o que escrevi na época nesse link aqui, aliás vale a pena ver como apesar de também ter perdido as esperanças na gestão anterior, mesmo assim algumas coisas acabaram acontecendo.

Vou dar outro exemplo da besteira que é pedir a opinião de quem não conhece o assunto, se lembram daquele rolo da interdição da Ciclovia da Marginal Pinheiros por causa do Monotrilho? Por causa das ameaças de manifestações dos ciclistas, imediatamente o Metro cancelou a interdição e chamou os ciclistas (inclusive eu) para conversarmos. Quando cheguei na reunião encontrei uma sala cheia, tinha uns 20 ciclistas pelo menos (tem fotos espalhadas por aí), a maioria deles bem “famosinhos” nesse nosso mundinho e o que eu vi?

Primeiro uma malhação linda e poética contra os engenheiros do Metro, como essa galera falava bonito, acho que votaria fácil em vários deles. Já os engenheiros foram bem práticos e disseram o seguinte – “Vamos pedir desculpas públicas, sabemos que erramos, mas chamamos vocês aqui pois queremos encontrar uma solução, pois sabemos fazer Monotrilho e não Ciclovia. Nos digam o que fazer que nós faremos”.

O que se ouviu depois disso na sala?

Um silêncio ensurdecedor…

Ou seja, nenhum dos nossos renomados ciclistas tinha sequer noção do que pedir, do que fazer, mesmo ciclistas experientes estavam tão perdidos quanto os engenheiros do Metro. Eu sou Consultor de Mobilidade Urbana, posso não ter faculdade mas gastei muitos anos da minha vida estudando mobilidade, além de conhecer essa cidade como poucos. Nem vou ficar falando dos trabalhos que já realizei, só digo que quando fui para a reunião já tinha todo um plano em mente, mas para confirmar minha teoria, a de que a maioria dos nossos cicloativistas não entende “lhufas” de planejamento cicloviário, fiquei calado e só dei minha sugestão após o silêncio interminável. No telão eu mostrei o link de uma matéria que escrevi anos atrás aqui no meu blog com sugestões para a Ciclovia da Marginal Pinheiros,  e sugeri que eles usassem a Ponte da João Dias para jogar o ciclista para a outra margem do Rio. Essa ideia acabou fazendo com que nós ganhassemos mais uns 10 quilômetros de Ciclovia na margem oeste do Rio Pinheiros.



Fiz essas colocações acima pois vi que a prefeitura planejava fazer audiências descentralizadas nas Subprefeituras para que cada uma dela montasse planos cicloviários isolados, uma ideia estúpida que acabou sendo confirmada nessa matéria da Folha. Ou seja, não teremos um plano, tudo continuará descentralizado como sempre foi e aqueles que achavam que essa gestão seria diferente, tomaram no toba. Desde o início eu já imaginava que com esse atual prefeito nada seria diferente, aliás eu temia até uma piora já que o PT não é um partido que tem o costume de ouvir aqueles que, de alguma forma, auxilaram um dia quem eles consideram concorrentes e já imaginava que esse comportamento iria atrapalhar o andamento de projetos que nasceram nas outras gestões. Ter a nobreza de aproveitar uma proposta de campanha de um concorrente então, isso já é demais, portanto pode esquecer  a Coordenadoria para Bicicletas e do Plano Cicloviário como teríamos caso o outro candidato ganhasse, mesmo que isso fosse excelente para a população.

Só mais um detalhe, Bogotá realizou aquela revolução porque logo no início da gestão do Enrico Penalosa, foi criada uma secretaria responsável apenas por mobilidade via bicicleta. Levaram 8 meses para elaborar um Plano Cicloviário que abrangia toda a metrópole (7 milhões de habitantes) e em 3 anos executaram 300 kms desse plano com um orçamento próprio de 50 milhões de dólares. Na gestão anterior vínhamos evoluindo e caminhando para a criação dessa secretaria, mas daí entrou essa gestão e tudo ficou como antes, sequer se deram ao trabalho de reunir num único lugar todos os Projetos Cicloviários existentes e tentar a partir dele montar um plano.

Sim, imaginem concentrar num único projeto os 367 quilômetros de ciclovias nos planos regionais estratégicos e as demais ciclovias que eu cito naquele post de 2009?

Resumindo, jogar para as Subprefeituras a elaboração de planos cicloviários vai resultar em erros grosseiros como o que encontramos na Ciclovia da Faria Lima. Quando ela chega no Largo da Batata vira uma calçada forçando o ciclista, de forma involuntária, a cometer uma infração de trânsito.



A Ciclovia não tem sinalização oficial porque “Não” é uma ciclovia, por isso da sinalização pirata

Ué, você não sabia que aquela “suposta” Ciclovia que liga o Parque Villa Lobos com o Largo da Batata é uma calçada? Sabe o mais engraçado, é que as duas obras distintas foram feitas pela mesma Subprefeitura (Pinheiros), isso que dá mandar quem não entende de bicicleta fazer algo para nós. Ainda sobre o tema, vejam uma das resposta do entrevistado:

“Estamos mapeando um sistema estrutural. A partir disso, cada subprefeitura terá autonomia para pensar sua rede local. Nosso papel será o de articular essas redes. Todo ano, o Itaú [que opera o sistema de compartilhamento Bike Sampa] pede para o Cebrap uma pesquisa. Sugeri que o próximo estudo não seja para ciclorrotas, mas para travessias de pontes e viadutos, principalmente dos rios Pinheiros e Tietê. Para termos dados para concluir o planejamento.”

Olha, semana que vem faço um post comentando cada resposta do entrevistado, mas agora irei focar só nessa linha. Na gestão anterior, como tinha boa relação com o pessoal da Secretaria de Transportes, tentei com que a prefeitura contratasse o Cebrap (A mesma Instituição que produziu o mapa de ciclorrotas de São Paulo) para que eles realizassem um estudo amplo para dar base ao Plano Cicloviário da cidade. No final das contas acabaram deixando com que o Itau contratasse o Cebrap para fazer esses estudos, mas focados nas áreas que eles querem instalar as bicicletas públicas. Sempre fui contra isso pois por mais que o Itau tenha boa vontade (e bato palmas para a iniciativa), é obrigação da Prefeitura contratar e dar a diretriz para o que deve ser estudado. Ou seja, a gestão anterior cometeu um erro e essa gestão sentou em cima.

Mas pensando bem, é interessante para o gestor público a criação de um plano cicloviário? Depende do gestor, se ele pretende ficar enrolando a população dando justificativas para sua incompetência, sem um plano a população não saberá nunca o que exatamente cobrar. Agora se o gestor quer resolver o problema dos ciclistas de verdade, teria que parar tudo e concentrar todas suas forças, primeiro na criação do Plano Cicloviário e só depois dar continuidade aos investimentos.

Ah, um amigo meu que trabalha nessa atual gestão me mostrou o Plano Cicloviário de Chicago e sabe quantos quilômetros de ciclovias eles tinham como meta? NENHUM! Suas metas eram outras, uma delas era a de que a bicicleta fosse responsável por 5% dos deslocamentos da cidade. Nesse plano de Chicago, além de infraestrutura, as prioridades eram a redução de acidentes com ciclistas e educação de trânsito. Igualzinho o nosso? Não mesmo…

E sabe aquele treinamento para os motoristas de ônibus de São Paulo em 2009 e que atualizei e levei recentemente para Recife e Maceió? Não será repassado para os nossos motoristas de ônibus de São Paulo e porque? Não me perguntem. Suei a camisa para conseguir conversar com alguém da prefeitura e só fiquei no vácuo, só o Ronaldo recebeu uns 10 emails meus e nada aconteceu, devo ter sido marcado como Spam.

Como meu objetivo é capacitar nossos motoristas, fui pelas beiradas e consegui conversar com alguns amigos que ainda estão na prefeitura e descobri que tem pessoas em cargos estratégicos que não gostam de mim (sei lá porque) e por isso não dão atenção a nada que eu falo ou peço. Fui por outras vias e cheguei em alguns técnicos, disseram que é legal, que vamos ver, mas fica nisso, provavelmente não passa de um cala boca.

Agora vou tentar contato com a Secretaria de Transportes Metropolitanos que é responsável pela EMTU e tentar viabilizar esse treinamento, tenho certeza que a recepção será muito diferente e só não levarei esse treinamento adiante se eu não quiser, mas perdi as esperanças de levar essa capacitação aos motoristas ligados a SPTrans, a não ser que eu vá diretamente nas empresas. Aliás em breve trarei novidades sobre o treinamento, o que posso adiantar é que estou trabalhando num formato onde qualquer ciclista ou multiplicador dessas empresas possam repassá-los em sua cidade a custo zero.

Pra encerrar estamos perdendo uma excelente oportunidade de resolver a questão e “exterminarmos” o cicloativismo em São Paulo, pois não existe cicloativista em Amsterdã, não é? Mas pelo andar da carroagem, ainda teremos muito espaço para um monte de ciclista sair pedalando pelado por aí, fazendo gritaria, causando nas redes sociais só porque essa gestão deixou claro que vai continuar agindo como todas as outras agiram e até retroceder em alguns pontos. Só consigo lamentar.

André Pasqualini

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